- O Globo
A denúncia que recaiu ontem sobre o presidente Temer e membros da cúpula do seu governo não se refere apenas a crimes cometidos nesta administração, mas também nos governos Lula e Dilma. Rodrigo Janot, saindo em meio ao tiroteio, pegou suas flechas e atacou. Na despedida, ontem no STF, ele disse que a história saberá identificar o lado que cada um tomou e defendeu a luta contra a corrupção.
A acusação geral de serem membros de organização criminosa é à cúpula do PMDB da Câmara. Sobre Temer, recai ainda a de obstrução de Justiça. Nesse segundo caso, Janot se refere aos crimes relatados por Joesley Batista e Ricardo Saud, que passam a serem também denunciados. Janot está usando as provas que os executivos mesmos entregaram. Como considera que eles quebraram o acordo, ele pediu a anulação do acordo e os incluiu na denúncia.
Esta segunda denúncia contra Temer apresentada por Janot é mais complexa porque não se refere a um período só, nem ao que disse um único delator. Há informações prestadas por Lúcio Funaro de que tentaram comprar seu silêncio, o que fortalece a versão de Joesley sobre a conversa no Palácio do Jaburu. Mas há também um apanhado geral de outras delações: Delcídio, Sérgio Machado, Marcelo Odebrecht, Nestor Cerveró, entre outros.
Quando o procurador diz que eles arrecadaram propina em diversos órgãos, está se referindo a outros governos. Diz que essa coleta de propina foi na Petrobras, Furnas, Caixa, Ministério da Integração, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados. Geddel Vieira Lima, um dos acusados, foi ministro da Integração Nacional do governo Lula, foi vice-presidente de pessoa jurídica da Caixa no governo Dilma. Moreira Franco e Eliseu Padilha ocuparam em períodos sucessivos o cargo de secretário de Aviação Civil na administração Dilma. Moreira Franco foi também vice-presidente da Caixa. Furnas sempre teve indicados de Eduardo Cunha, mesmo antes desse período no qual ele é denunciado. O procurador chega a registrar as vezes em que os acusados se falaram. No caso de Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, foram 9.523 ligações.
A denúncia deve sofrer o mesmo impedimento de ir adiante na Câmara e pelo mesmo motivo. Temer é defendido porque muitos dos deputados se sentem pessoalmente ameaçados pelo avanço das investigações anticorrupção. O procurador-geral define o grupo atingido como o “PMDB da Câmara” e isso mobilizará ainda mais o sentimento de autodefesa dos deputados. Janot diz que separou assim porque já havia denunciado outros envolvidos nos mesmos ilícitos, como a cúpula do PT, PP e PMDB no Senado.
Enquanto preparava a segunda denúncia contra o presidente, Janot viveu um turbilhão de emoções. Uma delas derivada do grampo praticado por Joesley em si mesmo e que detonou o processo que levou ao pedido de anulação do acordo. Detonou também o aumento da pressão contra a própria Procuradoria-Geral da República pelas suspeitas de que o ex-procurador Marcelo Miller não apenas atuava dos dois lados do balcão como também não era o único a saber dessa vida dupla na PGR. O infeliz encontro de Janot numa distribuidora de bebidas com o advogado de Joesley foi mais um flanco aberto nessa reta final de uma tumultuada gestão.
Apesar disso, o procurador-geral, Rodrigo Janot, sai do cargo com honras. O presidente Temer tentou arguir sua suspeição e não conseguiu. Sua defesa fez uma sustentação oral claudicante. Não conseguiu o impedimento que tentava e além disso a ação serviu para que alguns ministros deixassem claro que o papel de um procurador-geral não é o de ser imparcial. Por óbvio, é o de ser o acusador. Na despedida ontem do cargo no STF, e pouco tempo antes de oferecer a segunda denúncia contra o presidente, Janot disse que outros saberão dar “continuidade a essa luta”, com “seus estilos e estratégias próprias”. A ministra Cármen Lucia disse que o STF saberá defender os interesses da sociedade. A nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assume na segunda-feira, em meio ao mais intenso conflito entre os políticos e o Ministério Público. Não terá vida fácil.
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