- Valor Econômico
Temer deve escapar da flechada e Janot está sob névoa
Janot imaginava sair de cena esta semana como o anjo exterminador do complexo empresarial-político que comandou o país nos últimos 32 anos. Da futurista construção espelhada em Brasília que lembra um cilindro e uma engrenagem denunciou-se Michel Temer, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Fernando Collor e José Sarney. Implodiu-se um esquema de prospecção e irrigamento de cofres na maior empresa do país. Foram para a cadeia os capitães das campeãs nacionais.
É a apuração do maior escândalo de corrupção do mundo como o conhecemos. Janot cumpriria assim uma de suas promessas feitas na sabatina pelos senadores da Comissão de Constituição e Justiça, ao ser indicado para a Procuradoria-Geral da República pela então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2013: o de canalizar para o Ministério Público o sentimento das ruas. Janot foi sutil na ocasião, mas inequívoco:
"Vimos nas recentes manifestações ocorridas em junho e nas semanas posteriores o despertar de uma grande parcela da população, principalmente das pessoas mais novas, para a importância da participação e para a beleza que é a democracia", anotou o procurador sobre o vendaval que tomou as praças brasileiras há quatro anos. E parafraseou Djavan para garantir que a PGR entraria no compasso das legiões. " O Ministério Público não pode ser uma ilha a centenas de milhas daqui", disse.
O Ministério Público é uma corporação que tinha na ocasião 1.918 procuradores e o próprio Janot advertiu na ocasião que "basta o registro de uma atuação esquiva, dissonante" para que os "esforços voltados para a correta realização dos valores republicanos sejam colocados em xeque". Para a infelicidade do procurador-geral, foi exatamente isto o que aconteceu em seu momento de colisão frontal com a elite empresarial e política. Houve o deslize não de um, mas de no mínimo dois então procuradores com alto grau de acesso às investigações: Ângelo Goulart Vilella e Marcelo Miller.
A tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer não irá correr apenas no canal tradicional: o da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em uma etapa primeira e no plenário posteriormente, para se deliberar sobre a autorização para o Supremo Tribunal Federal examinar a peça acusatória. Agora o STF ainda decidirá em plenário a questão de ordem que discute se uma denúncia pode ser apresentada antes de esclarecidos os fatos que cercam a delação do grupo J&F. Em paralelo, Janot e outros procuradores podem ter o constrangimento de depor em uma CPI, desde que o governo consiga desfazer a confusão causada no Congresso pela indicação do ultragovernista deputado Carlos Marun (PMDB-MS) para ser o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da JBS.
As revelações contundentes feitas por Lúcio Funaro dividirão o espaço no noticiário com o questionamento se Janot industriou ou não a delação dos irmãos Batista contra Temer, porque, no fundo, disso é que se trata toda a implicação que a investigação contra Miller poderá ter.
A disposição no Congresso- está claro- não é a de aprovar a autorização para a denúncia. Os condutores de Temer até o fim de seu mandato já zeraram o taxímetro e colocaram a bandeira dois, o que explica a insolência com que é tratado o ministro da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, e a decisão de lideranças partidárias de reverter as trocas de integrantes na CCJ, noticiadas semanas atrás.
Muito se compara o processo brasileiro com o das "Mãos Limpas", que sacudiu a Itália nos anos 90, mas a fotografia atual de Brasília se assemelha mais a da Colômbia à mesma época. O então presidente Ernesto Samper enfrentou uma investigação do Ministério Público que vinculava o financiamento de sua campanha ao cartel de Cali e sepultou a história com uma vitória arrasadora no Congresso.
Na Itália a "Mãos Limpas" destruiu o sistema partidário, e o ricaço que tomou conta do país, junto com o que restou da classe político, mudou o arcabouço legal para domesticar o Ministério Público. Na Colômbia, houve um remanejamento de aristocracias. O Partido Liberal nunca mais voltou a governar. Hoje tanto o governo quanto a oposição estão sendo obrigados a dar explicações sobre os favores recebidos da Odebrecht.
Temer deve sobreviver a esta flechada. Já sobre Janot uma névoa se ergue. A fila de delatores que Raquel Dodge deve administrar garante ao Brasil um governo sitiado não apenas na gestão atual, mas quem sabe na próxima. Quem tem condições de conseguir governabilidade no Congresso está contaminado pelo processo, e quem está imune se encontra isolado.
A crise a que Janot se referiu em sua sabatina, que confluiu para a Lava-Jato meses depois de sua posse e que desde então não deu trégua a não ser em breves soluços, não terminará com a eleição do próximo ano e muito menos com o fim do mandato do procurador-geral. Há uma ruptura social em que a eleição e a institucionalidade não reveste os detentores de mandato de legitimidade.
Ela só termina quando e se o próximo presidente organizar um consenso. O que temos no quadro de candidatos para 2018 são mais vocacionados para o dissenso, seja pela índole, seja porque as circunstâncias assim o exigem.
Janot conseguiu em seu mandato, como já se tornou um lugar comum considerar, um protagonismo inédito para o Ministério Público. Não é razoável pensar que Raquel Dodge irá abdicar desta fatia de poder para se mostrar serviçal a um presidente desgastado como Michel Temer.
Os primeiros sinais emitidos pela nova procuradora, chamando para a sua cúpula o núcleo de procuradores que investigou o mensalão com muito menos estrutura tecnológica, política e legal do que a turma de Janot teve nos últimos anos, como mostra a análise de Juliano Basile publicada nesta edição, indica que a tensão irá continuar, sob outra forma.
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