Sob intensa pressão, o Supremo Tribunal Federal tem utilizado atalhos que causam ruídos legais e podem macular o prestígio da instituição. Há novo choque entre poderes a caminho, depois que a Primeira Turma do Tribunal afastou do cargo o senador Aécio Neves e determinou seu recolhimento noturno diário. Os líderes dos partidos no Senado, a toque de caixa, aprovaram um requerimento ontem para que a Casa examine a decisão do Supremo, sem especificar data para que isso ocorra. Abre-se saída para o impasse com a aposta de que o plenário do STF reveja a decisão logo.
As decisões da Justiça são esotéricas. Os ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Barroso, favoráveis ao afastamento de Aécio, não inventaram normas. O Código de Processo Penal estabelece como uma das medidas cautelares o recolhimento, que é distinto da prisão. O CPC contempla também o afastamento de função pública. Os ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes, votaram contra porque a Constituição não prevê o caso de suspensão do mandato. No entanto, ele já tinha sido aplicado antes, no caso do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em estado de delinquência permanente - sem haver, contudo, amparo constitucional expresso para isso.
Diante de video com a entrega de mala de dinheiro a um intermediário e áudio em que Aécio pede recursos a Joesley, o ministro Edson Fachin já fizera algo parecido com Aécio em julho. O Senado engoliu sem espernear a decisão diante dos fatos estarrecedores tornados públicos. Agora, a reação é diferente. Os expedientes protelatórios de fuga à Justiça envolvem também o núcleo do Planalto.
A rejeição da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, destino que quase certamente terá a segunda, permitiu testar capacidade de resistência conjunta às investidas da Lava-Jato. A CPI da JBS dá um passo à frente, ao colocar como alvo principal a PGR, mais até que os irmãos Batista. A solidariedade no infortúnio fez com que até o PT apoiasse o tucano Aécio. O próprio presidente é interessado na sorte do senador, que no PSDB é um aliado contra a intenção de quase metade dos deputados do partido na Câmara de abandonar a base governista, estimulada pelo presidente interino da legenda, senador Tasso Jereissatti.
Situações inéditas e ambiguidades legais das quais a Constituição não é isenta tornam o chão institucional movediço e propício a improvisações. Fica cada vez mais claro que, diante do maior escândalo de corrupção da história republicana, com intensa participação dos partidos, o Congresso tem agido apenas em defesa dos que têm contas a acertar com a Justiça. Do Legislativo não virá qualquer iniciativa para elucidação dos fatos e punição dos responsáveis. Se dependesse da Câmara, até hoje Cunha estaria fazendo suas traficâncias milionárias. A ação do Supremo, na época, foi apoiada por ministros do STF que agora se opõem decisão similar a respeito de Aécio Neves.
Assim, não há anteparos a eventuais exageros do Supremo. As instâncias partidárias deveriam agir para por ordem na casa, mas são cúmplices ou participantes de corrupção. As Comissões de Ética dormem - no caso de Aécio arquivou para sempre a denúncia sem a ter sequer examinado. E, se existir um caminho legal para livrar parlamentares das garras da Lava-Jato ele será tentado. A única garantia contra isso é o STF, com todas suas idiossincrasias.
O STF, por seu lado, vive em desavença consigo próprio e tem se notabilizado por decisões individuais em detrimento das colegiadas. Essas, no entanto, são cada vez mais inevitáveis, dadas as flagrantes diferenças de interpretações entre suas duas Turmas. Gambiarras têm sido usadas em casos notórios que exigem respostas imediatas. O de Cunha foi um deles. O de Aécio Neves, que obteve 51 milhões de votos para presidente, pode ser outro. O descrédito ante a opinião pública da inação do Supremo é possivelmente maior do que o de uma decisão juridicamente polêmica e esse cálculo certamente rege algumas decisões.
O STF não está aparelhado para uma avalanche de denúncias como a despejada pela Lava-Jato, seus juízes falam demais fora dos autos e estimulam a Babel legal. Mas há algo errado quando Aécio, alvo de 8 inquéritos no Supremo e o presidente do Senado, Eunício Oliveira, citado na Lava-Jato, aparecem como defensores da Constituição e o STF, como o algoz da Carta Magna.
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