- Folha de S. Paulo
Os mais pobres pagam menos impostos quando passam necessidade. Como não têm salário bastante, obviamente não pagam Imposto de Renda. Pagam impostos indiretos, como aqueles camuflados no preço dos produtos.
Conseguem desonerações tributárias quando ficam sem dinheiro para consumir, para dizer a coisa de modo sarcástico. No limite, é o Refis famélico.
Tudo isso é meio óbvio. A lembrança vem a calhar porque o Congresso acaba de engordar o peru de bondades da última versão do Refis, esses programas de refinanciamento de impostos federais devidos por empresas.
Quanto vai custar esse perdão de impostos, multas e juros? O governo deve perder mais R$ 5 bilhões além do que estimava, cortesia do Congresso.
O que é esse dinheirinho perto da despesa anual do governo, de R$ 1,2 trilhão? Muito. Essa dinheirama vai quase toda, uns 90%, para despesas obrigatórias (Previdência, salários e aposentadorias gordas de servidores etc.). Sobra pouco para investimentos "em obras", por exemplo.
Neste ano, as obras do PAC devem levar uns R$ 21 bilhões, por exemplo. A farra do Refis vai levar quase um quinto desse investimento minguante, um dos motivos da ruína do setor de construção civil, o que mais demite, em geral trabalhador pobre.
O Refis gordo paga o preço das amizades empresariais dos parlamentares, alguns deles também com penduras no fisco. Deputados chegaram a dizer em público que a coisa ficaria "muito séria" caso o governo não fizesse favores adicionais no Refis. Ficou mais cara a conta de manter Michel Temer no Planalto.
A maioria dos economistas do governo está, claro, preocupada, dada a pindaíba. Mas um deles, mais governista do que o rei, dizia alegremente, nesta quinta-feira, que a mordida do Congresso será compensada por receita extraordinária.
Nesta semana, o governo vendeu hidrelétricas e áreas de exploração de petróleo. Arrecadou uns R$ 4,5 bilhões a mais do que estimara. Esse dinheiro extra vai cobrir a dentada do Refis. Bonito. O governo se desfaz de patrimônio público a fim de cobrir buracos nas contas de empresas, sabe-se lá se necessitadas.
Desde o ano 2000, houve 30 programas especiais de refinanciamento de dívidas, com descontos e perdões, diz a Receita. Como todo mundo sabe, a frequência dos perdões incentiva o atraso no pagamento de impostos e estratégias de burla do fisco, de "planejamento tributário".
Bola-se um jeito talvez legal de não pagar imposto. Se colar, colou, paga-se menos por meio de criatividade tributária. Se não colar, virá um Refis ou similar: descontos para pagar os atrasados. Como o custo de rolar a dívida com a Receita é inferior ao do crédito, o sistema Refis vira uma espécie de banco público informal, com juros subsidiados.
É possível argumentar que renegociações de dívidas são parte da vida dos negócios, que talvez seja o caso de tolerar algum parcelamento de tributos atrasados em nome da preservação de uma empresa no mais em boas condições. Mas não sabemos bem para onde vai o dinheiro, custos e benefícios, como costuma ser o caso das nossas políticas públicas.
Os mais pobres, estes, pagam relativamente o triplo dos impostos indiretos pagos pelos mais ricos. Refis de pobre é fome.
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