Nos EUA, ex-presidente fala que é melhor ter problemas com juízes do Supremo do que com generais
Henrique Gomes Batista | O Globo
“No passado, confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sequer conhece seus nomes, enquanto os nomes dos 11 juízes do STF são familiares” Fernando Henrique Cardoso Ex-presidente da República
-WASHINGTON- O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem, em uma palestra em Washington, que o Supremo Tribunal Federal (STF) decide “e é isso”. Sem citar a questão de Aécio Neves (PSDB-MG) — o Senado aprovou, poucas horas depois de sua exposição, debater em regime de urgência a decisão do STF de afastar o senador mineiro acusado de corrupção —, FH indicou ser preferível viver com problemas no Judiciário do que ter o país em torno dos militares.
— O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem a decisão final. Ele decide, e é isso — afirmou Fernando Henrique, em sua exposição, de uma hora, intitulada “Impacto Político da Corrupção na América Latina”, promovida pelo Wilson Center, que homenageou o ex-presidente em um jantar na noite de ontem.
Afirmando que não gostaria de criticar o Supremo no exterior, FH disse reconhecer que pode haver problemas no Judiciário, mas que hoje os nomes de seus ministros são conhecidos e que isso demonstra uma mudança cultural.
— No passado, confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sequer conhece seus nomes, enquanto os nomes dos 11 juízes do Supremo Tribunal são nomes familiares — disse o ex-presidente.
Fernando Henrique disse que o STF também tem problemas, e que leu um artigo de um especialista da Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre os problemas na Corte.
— Mas é melhor ter problemas para ajustar o STF do que ter problemas para colocar os generais de lado — ressaltou.
FH disse que, no Brasil, a crise global da política é reforçada por uma crise moral, decorrente da divulgação de um sistema generalizado de corrupção, uma prática antiga, antes baseada na nomeação de cargos, mas que se agravou com desvios maciços de recursos de estatais. O ex-presidente buscou minimizar os problemas de seu governo, embora sua administração tenha sido citada por alguns casos emblemáticos, como a compra de votos para a aprovação da reeleição, o caso Marka/FonteCindan e a formação de cartéis para as privatizações, entre outros, muitos dos quais nunca foram investigados.
— Estamos diante de um tipo diferente de problema. Não é como no passado. Às vezes, pessoas dizem: claro que em seu governo existe corrupção. Certamente, eu não fui informado, eu não era a favor, eu não permitia e não era uma base em que meu governo se sustentava — afirmou.
O ex-presidente destacou que a corrupção existe desde a Grécia antiga, como falta pessoal, sem ter por alvo financiar todo o sistema político. Segundo FH, a corrupção é a base dos governos petistas, diferentemente do que ocorria em sua gestão:
— No passado, eram atos individuais ou uma mistura de clientelismo com leniência, e não um mecanismo fundamental para que um governo ganhasse e se conservasse no poder.
Para FH, é muito difícil mudar as instituições e, mais complexo ainda, mudar a cultura das pessoas. Ele afirmou ainda que o “presidencialismo de coalizão”do Brasil dificulta a governabilidade, e que nunca o partido do presidente eleito teve mais de 20% das cadeiras do Parlamento. Mas, apesar dos problemas, defendeu avanços da sociedade brasileira:
— As instituições brasileiras provaram sua resiliência. A Polícia Federal, o procurador-geral e o Judiciário atuam com autonomia e independência concedidas pela Constituição.
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