- O Globo
Os depoimentos dos envolvidos em delitos de corrupção na Operação Lava-Jato são autoexplicativos, por si só deixam claro o mecanismo criminoso utilizado, ou se revelam uma confissão espontânea, mesmo que o autor não tivesse essa intenção. Foi esse o caso do ex-governador Sérgio Cabral em depoimento ao juiz Marcelo Bretas no Rio, quando pediu desculpas ao povo do Rio de Janeiro por ter utilizado dinheiro de caixa dois para uso próprio.
Sem afirmar qual o montante que usou, e as denúncias giram em torno de muitos milhões, Cabral disse que o fez para ter “uma vida incompatível, muito além dos meus dinheiros lícitos. Eu errei”. Numa frase, o ex-governador do Rio confessou que desviou dinheiro para manter um alto padrão de vida, embora negasse que se tratasse de propina. Questões semânticas que não se sustentam diante da lei.
Da mesma forma, os depoimentos ao juiz Sergio Moro de Glaucos da Costamarques, o suposto dono do apartamento vizinho ao de Lula em São Bernardo do Campo que supostamente o alugava ao ex-presidente, e do contador João Muniz Leite, que fazia o imposto de renda de Lula e de dona Marisa, revelam toda a trama para esconder o verdadeiro dono do imóvel, que tanto pode ser o próprio ex-presidente ou seu amigo José Carlos Bumlai, menos Costamarques.
Candidamente, ele revelou como os recibos de aluguel apresentados pela defesa de Lula são realmente “ideologicamente falsos”, como acusa o Ministério Público em Curitiba. O laranja Glauco da Costamarques é primo de José Carlos Bumlai, por sua vez um dos melhores amigos do ex-presidente, e foi atendendo a seu pedido que comprou o apartamento, para que Lula não tivesse um vizinho inconveniente. E não gastou um tostão de seu, conforme admitiu para o juiz Sergio Moro. Serviu como laranja, na linguagem popular.
Ele relatou uma conversa que teve com o seu primo José Carlos Bumlai sobre o imposto que teria de pagar sobre os aluguéis que não recebeu de Lula e Marisa: “Além de eu não receber o aluguel, ainda vou pagar o imposto?”. Bumlai decidiu então ressarcir esse imposto do carnê leão. Isso porque o casal Lula da Silva declarava ao imposto de renda que pagava o aluguel, e Costamarques tinha que declarar que o recebera.
Quem fazia a contabilidade dos dois lados era João Muniz Leite, contador de Roberto Teixeira, outro amigão de Lula, em cuja casa durante muitos anos, no início de sua carreira política, o ex-presidente morou “de favor”. Na campanha presidencial de 1989, Collor insinuou que Lula tinha em sua casa um aparelho de som moderníssimo, incompatível com sua situação financeira. Era de Roberto Teixeira.
Esse contador foi quem esteve com Glaucos Costamarques no hospital para pegar sua assinatura em uma série de recibos. Moro perguntou se a urgência em colher as assinaturas tinha alguma relação com a prisão de José Carlos Bumlai, primo de Glaucos. O contador negou. Garantiu ao juiz que “não houve pressão” para colher as assinaturas no Hospital Sírio-Libanês, e que o fez para “manter o trabalho em dia”.
O juiz Sergio Moro espantou-se quando o contador disse que cuidava da declaração do apartamento de Lula e Marisa Letícia em São Bernardo de graça. “O senhor fazia esse serviço gratuitamente?”, perguntou o juiz. “Sim, me sentia lisonjeado pela confiança que me foi depositada, então, eu fiz questão de fazer. Mesmo porque tenho contrato com o doutor Roberto [Teixeira] na prestação de serviços com a empresa dele e, na minha cabeça, eu entendia que isso estava dentro dos trabalhos que eu já cobro no escritório.”
Sobre o também serviço gratuito para Glaucos Costamarques, o contador tem uma explicação sentimental: “Fazia por amizade, considerava ele um verdadeiro pai, uma pessoa muito prestativa”.
Juridicamente, a falsidade pode ser material, quando o documento é adulterado, ou ideológica, quando, embora verdadeiro, não reflete a realidade dos fatos. Como no caso dos recibos dos aluguéis, que não eram pagos, mas documentos assinados pelo suposto dono atestavam que o foram.
Como dizem os juízes que atuam na Operação Lava-Jato há mais de três anos, já é possível mapear todos os artifícios utilizados pelos envolvidos para constatar seus crimes, mesmo não havendo ato de ofício. Um conjunto de indícios pode dar ao juiz uma certeza acima de qualquer dúvida razoável.
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