Revogar este princípio, como acaba de acontecer nos EUA, é tornar a rede mundial de computadores menos livre, menos aberta e menos democrática
A revogação do princípio da neutralidade de rede, pela agência reguladora de telecomunicações nos Estados Unidos, a FCC, reverbera na internet mundial. Não seria de outra forma, devido não apenas ao peso americano no setor, mas também porque este é um desejo antigo das empresas do ramo, as chamadas telecoms, em qualquer país, as provedoras de internet.
É por isso que, tão logo se confirmou que a FCC, sob a presidência de Ajit Pai — indicado por Trump, que é contrário a regulações em geral —, derrubaria mesmo a neutralidade, no Brasil representantes de provedores anunciaram que reivindicarão o mesmo.
Como fizeram na tramitação pelo Congresso do projeto do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014. Não tiveram sucesso, e o conceito da neutralidade de rede foi incluído no Marco.
Muita coisa está em jogo neste conflito no mundo dos negócios da internet, e por isso talvez haja desdobramentos judiciais nos Estados Unidos.
Um aspecto é dinheiro. As telecoms, com razão, esperam, com o fim da neutralidade, um aumento que deve ser substancial no faturamento. Pois o princípio estabelece que todo usuário de internet — dos grandes sites jornalísticos, passando por gigantes como Google e Facebook, até qualquer pessoa física — precisa receber dos provedores as mesmas condições técnicas de tráfego, em termos de velocidade, tamanho de arquivo etc.
Isso atende, na prática, a princípios centrais da internet desde seu lançamento: ser uma rede livre e aberta a todos, sem privilégios e também sem barreiras, bem como uma rede democrática. O fim da neutralidade permite que as telecoms cobrem mais de quem trafega mais, daí a expectativa realista de elevação de faturamento.
Um argumento das empresas é que precisam investir sempre e mais em avanços tecnológicos. E a neutralidade termina sendo um empecilho ao financiamento desses investimentos. Na realidade, nada é tão simples. O fim do princípio da neutralidade gera o risco de a rede mundial de computadores virar pista de alta velocidade apenas para grandes corporações, aquelas que possam pagar as tarifas cobradas pelas telecoms.
Dar poder discricionário aos provedores é minar o terreno da internet, que assim deixará de ser “livre” e “aberta”. Permitir qualquer tipo de discriminação, por parte das telecoms, significa um grande perigo em potencial para startups, projetos novos.
Se o provedor decidir boicotar um serviço que possa significar um risco para um negócio seu, como impedi-lo? Este tipo de barreira à entrada de novos concorrentes pode reduzir o dinamismo da própria internet.
Registre-se que as telecoms são empresas muito diversificadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, está sob escrutínio a compra da Time Warner (produtora de conteúdos) pela AT&T (provedora). Sem a neutralidade de rede, a AT&T poderá cair na tentação de privilegiar na internet o trânsito dos produtos da Time Warner.
No Brasil telecoms não podem produzir conteúdos, nem geradores de conteúdos podem atuar nas comunicações. Mas a questão é bem mais ampla do que isso.
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