Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal tornou-se uma caixa de surpresas. A última delas foi a decisão de sua Segunda Turma de determinar que os relatos dos delatores da Odebrecht em dois casos que envolvem o ex-presidente Lula - o do Instituto Lula e do sítio de Atibaia - sejam enviados à Justiça paulista, por não terem relação com o assalto à Petrobras.
A decisão é confusa e tumultuadora, mesmo porque não foi até o fim em suas premissas e não retirou os processos do juiz Sergio Moro. Há muitas opiniões sobre as consequências desse ato. Discute-se a possibilidade de anulação da sentença aplicada ao ex-presidente Lula no julgamento do tríplex do Guarujá e, com isso, a de sua candidatura à Presidência, e até mesmo a troca de jurisdição de dezenas de acusados da Lava-Jato. Ou então se trata apenas de um chamado ao respeito dos estritos procedimentos legais, sem mais efeitos que o da protelação do julgamento dos casos. Há bons argumentos para todos os enredos.
Três ministros votaram a favor da mudança: Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Eles voltaram atrás em decisões anteriores próprias, nas quais ratificaram a existência de "conexão subjetiva" dos casos envolvendo Lula com a roubalheira na Petrobras e, assim, por mantê-los sem restrições nas mãos do juiz Moro. Os argumentos de Dias Toffoli, o próximo presidente do STF, porém, abriram em tese uma avenida para que os resultados das investigações feitas até agora, e não as em que Lula é réu, sejam colocados em questão. "Ainda que o Ministério Público possa considerar que pagamentos teriam origem em fraudes na Petrobras, não há demonstração desse liame nos autos", disse, sobre os processos, já quase em fase de conclusão.
Os assaltos à Petrobras são a nave-mãe dos processos da Lava-Jato sob os cuidados de Moro. A "conexão subjetiva" com eles vale o que os ministros do Supremo determinarem que vale. A condenação de Lula no caso do tríplex contou, além de ampla série de evidências e indícios, com a delação de Leo Pinheiro, da OAS, que ligou a benesse ao ex-presidente diretamente com contratos obtidos pela OAS.
Nesse caso, em que Lula foi condenado, a relação entre uma coisa e outra é explícita, a partir da delação. A "conexão" entre os benefícios do sítio de Atibaia e recursos para a compra do terreno para o Instituto Lula, que não se efetivou, com o caso Petrobras é mais distante e passível de contestação, embora a OAS tenha dito que pagou obras no sítio pelo mesmo motivo que o fez no tríplex do Guarujá.
As delações de executivos da Odebrecht, a principal beneficiária do esquema de corrupção, indicam que relações promíscuas na Petrobras se estenderam a outros setores da administração pública. Se o liame do caso do tríplex com a Petrobras é dedutivo - o raciocínio final de uma cadeia de evidências torna muito improvável que a origem do favorecimento a Lula tivesse outro motivo que não o correspondente favorecimento das empreiteiras na estatal -, nos demais casos a "conexão" é mais frágil, se forem excluídas as delações da Odebrecht. Fica explícito nos depoimentos de Emílio Odebrecht que houve um "toma lá, dá cá" em uma relação tentacular, que ia além da Petrobras. E que os favores decorriam do "conjunto da obra", bastante rentável para o grupo baiano.
Levando o argumento dos ministros da Segunda Turma até suas últimas consequências, chega-se de novo ao ponto de partida: aonde estão as provas de que o ex-presidente induziu a Petrobras a satisfazer interesses escusos? Moro e o TRF-4 não tiveram dúvidas, após as investigações, de que Lula fez isso. A palavra final será do STF.
A ala do STF que se concentra na Segunda Turma decidiu abrir, no decorrer da Lava-Jato, uma guerra contra o Ministério Público pelo que considera arbitrariedades e está votando ao sabor das circunstâncias para detê-las - é o motivo declamado em público para os atos. O desenrolar da trama, cheia de som e fúria, determinará seu sentido. Retirar processos de Moro não é o fim da linha, porque uma "conexão subjetiva" une a grande maioria dos casos e, no limite, tornaria o juiz de Curitiba o mais poderoso da República. Questionar o mérito dos julgamentos já feitos, como alguns ministros do STF começam a fazer, pode mudar o fim dessa novela trágica. As guinadas de posições desconcertantes tornam difícil qualquer previsão.
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