sexta-feira, 27 de abril de 2018

O avanço global do populismo e o que esperar no Brasil

Assim como em outros países, o Brasil tem visto o crescimento de uma onda populista conservadora

Malu A. C. Gatto e Rafael H. M. Pereira | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Desde 2016, o populismo tem ganhado espaço em eleições e referendos em diferentes países. Partidos ou candidatos populistas podem ser de direita ou esquerda, mas têm em comum postura antissistema e apelo eleitoral motivado pela insatisfação com elites políticas tradicionais. Aqui no Brasil, também corremos o sério risco de eleger um populista nas próximas eleições.

Para alguns pesquisadores, o aumento das desigualdades econômicas e regionais está entre as principais causas do sucesso eleitoral do populismo ao redor do mundo.

Em livro a ser lançado este ano, os cientistas políticos Pippa Norris (Universidade de Harvard) e Ronald Inglehart (Universidade de Michigan) examinam a crescente popularidade global de partidos populistas.

Eles reconhecem que líderes populistas atraem segmentos da população que se veem como "esquecidos" por governantes e afirmam que a queda relativa na qualidade de vida e segurança econômica é um dos fatores determinantes ao apoio populista.

Em análise das recentes votações em vários países, o economista Andrés Rodríguez-Pose (London School of Economics) observa que regiões em declínio econômico são mais propícias a votarem a favor de candidatos populistas ou causas nacionalistas.

Isso porque governantes tendem a priorizar investimentos e políticas públicas nos principais centros econômicos e populacionais —desta forma, deixando as regiões mais pobres de lado.

A desconexão entre necessidades e disponibilidade de oportunidades econômicas teria levado muitos desses "lugares que não importam" a buscarem o populismo como forma de expressão.

A força deste argumento torna-se evidente quando se analisa a distribuição espacial dos resultados eleitorais em relação às disparidades sociais e econômicas naqueles países. Nessas votações, as regiões historicamente mais pobres e em declínio econômico consistentemente penderam para candidatos ou mensagens populistas.

Será que essa hipótese é válida por aqui também? Assim como em outros países, o Brasil tem visto o crescimento de uma onda populista conservadora. Segundo o argumento apresentado por Rodríguez-Pose, essa onda deveria ganhar forte apoio eleitoral nas regiões mais pobres e/ou em declínio econômico do país.

O caso brasileiro tem pelo menos quatro particularidades que devem colocar a prova se a as experiencias da Europa e EUA vão se repetir.

Primeiro, acreditamos que essa onda populista também deverá ser particularmente forte nas áreas rurais que estão prosperando economicamente —e não somente nas que estão em declínio. O apoio eleitoral nessas regiões não se dará porque elas "ficaram para trás", mas por que são áreas tradicionalmente conservadoras. Isso parece já estar acontecendo.

Segundo, enquanto nos EUA e Europa um dos temas centrais foi a imigração, no Brasil, a pauta eleitoral deve dar muita atenção ao tema da segurança. Esta pauta tem forte apelo eleitoral, podendo ser facilmente capitalizada por candidatos populistas.

O aumento da violência (ou, ao menos, da percepção de insegurança) ocorre com maior intensidade nos grandes centros. Este cenário deve, portanto, aumentar o apoio a candidatos nacionalistas também em áreas urbanas, a exemplo de Jair Bolsonaro, cujo apoio concentra-se em médias e grandes cidades.

Terceiro, uma grande incerteza paira sobre o que acontecerá nas áreas rurais e estagnadas do Norte e Nordeste. No passado recente, essas regiões apoiaram candidatos do PT. Ainda há grande incerteza se esse apoio será mantido agora que as chances de Lula se manter como candidato até outubro parecem nulas.

Se Norte/Nordeste mantiverem apoio ao PT, esse cenário irá contradizer a conjectura apontada por Rodríguez-Pose.

Finalmente, nosso sistema eleitoral é diferente. Em grande parte daqueles países, o voto é facultativo. Em seu livro, Norris e Inglehart colocam a capacidade de mobilizar eleitores como elemento importante para o sucesso de partidos populistas. No contexto brasileiro a obrigatoriedade deve fazer com que não só os eleitores que apoiam populistas cheguem às urnas —o que pode "amortecer" a força desses candidatos.

Outro fator institucional que pode limitar o avanço eleitoral de candidatos populistas é o papel das coligações partidárias em garantir financiamento de campanha e tempo de TV.

Nesse quesito, candidatos como Bolsonaro saem atrás na corrida presidencial apesar da sua popularidade nas pesquisas preliminares.

Há poucas semanas, por exemplo, o PSDB anunciou uso de R$ 70 milhões na campanha de Geraldo Alckmin, verba 23 vezes maior do aquela prometida a Bolsonaro pelo seu partido, o PSL.

A importância desses recursos para as eleições pode, possivelmente, ser mitigada pelo uso das redes sociais —espaço onde Bolsonaro parece ter grande influência. No entanto, ninguém ainda sabe dizer ao certo se as redes sociais terão peso suficiente para compensar os recursos oferecidos pelos grandes partidos e coligações.

Estes são apenas alguns motivos pelos quais as eleições brasileiras devem desviar do padrão observado na Europa e nos EUA.

Por um lado, o arranjo do sistema eleitoral brasileiro pode restringir o alcance de candidatos populistas. Por outro, a conjuntura atual que combina descrédito generalizado do meio político com a ressaca de uma recessão econômica e o aumento da desigualdade e da violência urbana deve levar várias regiões do país a seguir a onda populista global.

Ainda é cedo para fazer grandes especulações, já que pré-candidatos continuam a surgir. Até agora, a única certeza é que a onda conservadora populista ainda vai fazer muito barulho.
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Malu A. C. Gatto é doutora em ciências políticas pela Universidade de Oxford e pesquisadora na Universidade de Zurique.

Rafael H. M. Pereira é doutorando em geografia na Universidade de Oxford e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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