No fim do ano passado, Esther Solano entrou numa escola estadual em São Miguel Paulista, no extremo leste de São Paulo, com um "pen drive" nas mãos e uma ideia na cabeça. Queria entender as razões pelas quais adolescentes curtem e compartilham vídeos em que partidários do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) zoam de suas declarações polêmicas.
Passou o vídeo em duas turmas diferentes, uma de 20 alunos, de 14 a 16 anos, do primeiro ano do ensino médio, e outra de 40 jovens de 16 a 18 anos, do terceiro ano.
Não se tratava da obra completa do deputado, nem dos melhores momentos. Era apenas uma coletânea dos seus disparates mais conhecidos. Lá estava o bate-boca com Maria do Rosário, em que o pré-candidato à Presidência chama a deputada do PT do Rio Grande do Sul de vagabunda, a empurra e diz que não a estuprava porque ela não merecia; a afirmação de que sua filha, caçula de cinco irmãos, é fruto de uma "fraquejada"; a resposta à cantora Preta Gil de que seus filhos não namorariam uma negra porque são bem-educados; e a homenagem ao coronel torturador Carlos Brilhante Ustra durante a votação do impeachment.
No vídeo, a reprodução das cenas é seguida por comentários que ridicularizam os interlocutores do deputado e concluem que ele havia saído por cima de todas as situações. O contraponto é ilustrado por montagens em que a cabeça de Bolsonaro, sobreposta ao corpo de um jovem, com óculos escuros, faz algazarra no meio de uma galera, é jogado para cima e ensaia passos de funk. Sempre sorrindo ou gargalhando.
Em ambas as turmas, a exibição do vídeo foi acompanhada de risos, assobios e, ao final, aplausos. As poucas vozes dissonantes que se insurgiam - "Como é que vocês aplaudem isso aí?" - eram abafadas. Acalmadas as turmas, Esther, uma espanhola de português escorreito, apesar de meros oito anos no Brasil, convidou os alunos para uma discussão. Professora da Universidade Federal de São Paulo e estudiosa dos movimentos da nova direita, Esther se deu conta, naquela sala, que não é o ódio que move a empatia dos jovens, mas a atitude transgressora que identificam nos atos do parlamentar.
No artigo resultante da pesquisa patrocinada pela Fundação Ebert Stiftung, "Crise da Democracia e Extremismos de Direita", Esther reproduz o que ouviu. Um aluno de 15 anos justificou seu entusiasmo: "Ele é legal, é um mito, é engraçado, fala o que pensa e não está nem aí". Outro, da mesma idade, identificou em Bolsonaro o contraponto desejado: "Ele tem coragem de peitar os caras de Brasília e dizer o que tem que ser dito. Ele é f...". Um adolescente de 14 anos definiu sua imberbe iniciação política: "O Bolsomito é divertido, o resto dos políticos não".
Com mais de cinco milhões de seguidores no Facebook, Bolsonaro zoa, com sucesso, em busca de empatia. Põe uma braçada na frente de seus adversários, em redes sociais, repetindo a dianteira irreverente de uma direita que em campanhas como a do ex-prefeito de São Paulo, João Doria, e do atual do Rio, Marcelo Crivella, ambas em 2016, foi bem-sucedida.
Sua intenção de votos entre os jovens chega a ser o dobro daquela que alcança entre os eleitores acima de 55 anos. Somados os eleitores entre 16 e 34 anos, faixa etária mais conectada, chega-se a um terço do contingente que vai às urnas em outubro. É este o núcleo duro do eleitorado bolsonarista. Nos vídeos que cultuam o personagem, a intolerância é pop. É a linguagem universal de tudo que é produzido pela campanha oficial ou por simpatizantes. Não convém esconder suas polêmicas, mas exibi-las para reafirmar que otário é o outro.
É mais fácil encontrar um eleitor do deputado do PSL enrustido em plateias empresariais do que um "bolsominion" na periferia das grandes cidades brasileiras. Se o apego à democracia não faz preço no mercado, o apelo às pautas identitárias confunde os conflitos que elevam os custos do cotidiano da maioria. É nessa aliança que está a força do candidato do PSL.
Jovens da periferia de São Paulo que criaram a página Bolsonaro Opressor, hoje seguida por 2 milhões de pessoas no Facebook, receberam um telefonema do ídolo para agradecer e pedir licença para que seu conteúdo fosse reproduzido nos sites oficiais de sua campanha. Num dos vídeos, o youtuber Felipe Neto, com 18 milhões de seguidores, diz que não vota em político corrupto. Entre Lula e o gorila Malaquias, vota no gorila. Entre o candidato do PSL e Lula, não tem escolha. Não concorda com tudo o que ele representa, mas vai de Bolsonaro.
As páginas rechaçam as alegações de misoginia, homofobia e racismo de Bolsonaro, mas reproduzem, na estética e no discurso, os preconceitos do candidato. A tarefa é abraçada por seus filhos, todos profissionais da política. Num vídeo compartilhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a mulher que o hostilizou no aeroporto de Congonhas, quando embarcava para Brasília, tem imagens reproduzidas em estado de embriaguez com um funk ao fundo: "Já vou logo avisando que não tenho namorado...".
Antes de se por em campanha para a Presidência, Bolsonaro colecionou entrevistas em que, ao ser indagado por que tinha tanta birra com gays, devolvia a pergunta: "Tenho não. Até estou olhando para você". À reprodução da resposta segue-se a vibração do personagem, um funkeiro com cabeça de Bolsonaro: "Tomou no c... Por que foi perguntar besteira?"
Noutro trecho, um eleitor aproxima-se dele com uma pequena jaula e o convida a olhar para dentro, onde verá a redução da maioridade penal considerada ideal, aquela em que você já nasce preso. Bolsonaro reage com rispidez: "Vai queimar tua rosquinha onde tu bem entender, p....". Outra comemoração do Bolsomito é acompanhada pelo locutor em off: "Valeu, Bolsonaro, por ser tão mito". Curtiu? Deixa o "like".
Na roda de conversa da escola na zona leste paulistana, questionados se partilhavam dos valores embutidos no comportamento de Bolsonaro, todos os adolescentes negaram. Alguns poucos chegaram a se arrepender de ter aplaudido, mas a maioria negou que o parlamentar tivesse, de fato, atitudes discriminatórias.
Um estudante de 16 anos sai em sua defesa: "Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo a opinião dele, falando a verdade. E quando é um pouco radical, se retrata. Não tem discurso de ódio porque quer o melhor para todos. Só que a esquerda exagera. Olha o caso da Maria do Rosário. Ela ofendeu primeiro".
Esther viu se sucederem, um a um, jovens que se deixavam levar pela performance do Bolsomito. A teatralidade com que defende seus preconceitos acabaria por fazer dele o porta-voz do desacato de jovens a valores tradicionais.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde a estética pop do democrata Bernie Sanders chegou a rivalizar com a de Donald Trump, no Brasil Bolsonaro custa a encontrar um anteparo. Nas pesquisas de intenção de voto, o eleitor de Lula é ainda mais jovem que o de Bolsonaro. O ex-presidente petista chegou a ensaiar passos de funk em suas andanças pré-Curitiba. Sua imagem de presidiário, no entanto, tornou-se muito mais fartamente explorada do que a de #Lulalivre.
O auge da era petista fez surgir na quebrada o funk ostentação, hino à bonança da classe C. Foi a trilha sonora dos "rolezinhos" que marcaram o ingresso dos jovens nos templos de consumo. A crise fez desses jovens os líderes das estatísticas de desemprego. Parte dessa cultura pop voltou às suas origens, de violência e sexo. Outra parte não tem o que ostentar e busca culpados por não terem permanecido na classe C.
Vão votar pela primeira vez. Muitos de seus pais foram eleitores de Lula. Hoje, mais empobrecidos, renegam o voto. Entre os entrevistados de Esther, dentro e fora da escola, o voto no PT é 'coisa de pobre', gente que precisa de governo. Sua ascensão foi barrada pela corrupção e pela bandidagem.
A ficha dos adolescentes só começa a cair quando o discurso linha-dura deixa o personagem e é adotado pelo vizinho de carteira. A página "Bolsonaro Opressor", traz vídeos com professores estridentes com alunos que se revelam seus eleitores. O discurso "minha geração lutou muito pela democracia para a de vocês destruir", surte pouco efeito. Parece com o daqueles que estão no poder e nada fazem por eles.
Na escola de São Miguel Paulista, é o debate entre os próprios alunos que gera questionamentos. A demonstração da empatia com o deputado do PSL acabou por trazer à tona experiências pessoais que antagonizaram colegas que, até então, zoavam juntos as vítimas do discurso de seu personagem predileto.
Uma aluna de 15 anos tomou a palavra para defender a afirmação de Bolsonaro de que "cadeia não é colônia de férias": "O cara tem de apodrecer na cadeia, pagar com a mesma moeda. Eu acho que a pessoa devia ficar sofrendo, sim. Hoje, na cadeia, tem celular, até colchão. Deveria dormir no chão. Ficar preso é para sofrer mesmo. Cadeia não tem de ter colchão, tem de ter chicote".
Uma colega da mesma idade, que até então aplaudia o discurso punitivo, passou a reelaborar seus argumentos. A intolerância, naturalizada por Bolsonaro, só foi capaz de chocá-la quando verbalizada por alguém que partilha do mesmo tranco cotidiano: "Mas minha tia está na cadeia. Não quero que ela sofra e acho que ela sofre muito. Ela cometeu muitos erros, sim, mas é uma pessoa e não merece ser tratada dessa forma. Tem de punir, mas também tratar como ser humano".
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