- Valor Econômico
Rupturas elevaram as dúvidas sobre a solidez da Presidência
A justa derrota para a Bélgica, há duas semanas, obrigou boa parte dos brasileiros a voltar as atenções para o processo eleitoral um pouco antes do planejado. A bola ainda estava rolando na Copa da Rússia e por aqui já era possível acompanhar o início da fase de "mata-mata" para a definição das candidaturas que pretendem entrar com alguma chance na disputa pelo hexa.
Quem subir a rampa do Planalto com a faixa no peito em janeiro de 2019 terá a missão de cumprir o sexto mandato presidencial completo desde que a eleição voltou a ser definida pelo povo, há três décadas. Com dois processos de impeachment no retrovisor, a estrada de quatro anos em busca desse "hexa" parece mais tortuosa para o próximo presidente do que para os seus antecessores.
Etapa importante da estratégia, a escalação dos aliados para o pleito deste ano se mostra um pouco mais lenta do que em eleições passadas. A escolha do vice, por exemplo, está encalacrada em praticamente todas as pré-candidaturas consideradas competitivas. Como se viu há dois anos, vices podem proporcionar dissabores.
Mesmo liderando as pesquisas no cenário que exclui o ex-presidente Lula, o deputado Jair Bolsonaro vem sendo esnobado no processo seletivo para a escolha do vice. As negativas recentes do senador Magno Malta (PR-ES) e do general reformado Augusto Heleno deram ao capitão um aperitivo da real politik que, goste-se ou não, é necessária para quem pretende governar.
Ironicamente, pode restar a Jair Bolsonaro a companhia da professora Janaína Paschoal, autora do processo que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, dois anos atrás. Não é difícil imaginar o calvário que essa dupla enfrentaria para conseguir alguma governabilidade no Brasil atual.
Basta observar o que se passou com Michel Temer. Negociador experiente e testado, por um triz ele não virou estatística. Uma palavra um pouco mais contundente no gravador de Joesley Batista e o atual presidente já estaria em casa - ou em outra hospedagem, menos confortável. O "tem que manter isso aí, viu" não foi suficiente para derrubar mais um presidente, mas bastou para antecipar o fim do governo.
Os recentes terremotos em nossa democracia abalaram as instituições da República e colocaram em xeque a estabilidade da cadeira presidencial para o próximo ciclo. Com os grandes partidos fragilizados e um equilíbrio de forças mais disperso, fica mais difícil aferir as condições de temperatura e pressão para o quadriênio 2019-2022.
Há certo exagero, contudo, em dizer que os próximos presidentes cairão na primeira balançada. Apesar da frequência indesejada de rupturas desde a redemocratização, o impeachment continuará sendo um acontecimento extraordinário, precedido de uma combinação de fatores que, isolados, não colocam o inquilino para fora do Planalto.
Dois ingredientes que certamente compõem a receita do impeachment à brasileira são o temperamento do presidente e os rumos da economia. Tanto no caso de Fernando Collor quanto de Dilma Rousseff, a perda de interlocução com o Congresso e o esfacelamento econômico ajudaram a selar seus destinos.
Mas o que deu liga mesmo foi a rua, pintada de preto na década de 1990 e de verde-amarelo dois anos atrás. No processo de Dilma as camisetas da seleção brasileira - para muitos o único ornamento disponível nas cores da pátria - acabaram "pagando o pato", pegando emprestado o slogan lançado pela indústria paulista para ajudar a empurrar a presidente petista no penhasco.
Como se sabe, retomar o crescimento sustentável da economia é o maior desafio do novo presidente, e a tarefa passa obrigatoriamente por um relacionamento produtivo com deputados, senadores e seus mecenas. A necessidade urgente de reformas impopulares colocará o novo presidente à prova já nos primeiros meses de gestão, quando eles ainda costumam contar com algum beneplácito.
Nos casos de Bolsonaro e Ciro Gomes, o temperamento explosivo aparece como a primeira característica marcante, num mal sinal para a eventual governabilidade de ambos. No campo econômico, também são eles dois que suscitam o maior nível de incertezas e temores por parte do que chamamos mercado.
Bem mais experiente, Ciro certamente vestirá o fardão do pragmatismo, como já vem fazendo em sua estratégia para montagem da chapa. Apesar da língua ferina, o ex-governador do Ceará tem uma propensão menor a tomar medidas irresponsáveis na economia e saberá construir alguma base, independentemente dos métodos que adotará.
No caso de Bolsonaro, impossível prever. Leigo em todo e qualquer tema atinente a um presidente da República, ele tem feito um "intensivão" com assessores das mais diversas áreas para minimizar os vexames que protagonizará quando os debates começarem. Mesmo que consiga algum avanço e ganhe as eleições, tende a ser o mais exposto a não terminar o mandato.
Considerados mais previsíveis, Marina Silva e Geraldo Alckmin sofrem para conseguir colocar 11 jogadores em campo. Após quase implorar de joelhos, o ex-governador de São Paulo encaminhou o apoio dos partidos do Centrão. Mas ainda tem pouco a oferecer, a não ser a promessa de que vai decolar na hora certa. Se isso acontecer, contudo, tende a construir um governo minimamente estável.
Marina, com ideias mais racionais para a economia, sofre quando o assunto é articulação. A aura de puritana da ex-senadora coloca sob uma sombra de dúvidas sua capacidade de arregimentar uma base confiável no Congresso. A ex-senadora é a presidenciável com mais dificuldade para sentar à mesa com caciques como Gilberto Kassab (PSD), Valdemar Costa Neto (PR), Roberto Jefferson (PTB) e Ciro Nogueira (PP). Mesmo que lhe pareça indigesta, a negociação com esses políticos pode ser fundamental para a sustentação de um governo comandado pela Rede.
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