Todo o cuidado é pouco no uso de produtos que podem ser prejudiciais à saúde humana e no ambiente, cujos efeitos a longo prazo não são inteiramente conhecidos ou cujos riscos foram seguramente dimensionados. A Câmara dos Deputados deve votar em breve um projeto de lei apresentado por Blairo Maggi (o 6299, de 2002), adaptado pelo relator, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que já foi aprovado em comissão especial. Seu objetivo é encurtar o caminho para a aprovação de agrotóxicos. A bancada ruralista é a favor do projeto, as organizações ambientalistas, o Ibama e a Anvisa têm severas restrições às mudanças.
Entre mais de uma dezena de motivos apresentados por Nishimori, apenas um é incontroverso - a grande lentidão e burocracia para a aprovação de pesticidas. Há um prazo legal para esse processo, de 120 dias, mas gasta-se até 8 anos para que o registro seja obtido. Os demais argumentos são duvidosos, como o de que a legislação atual está desatualizada e esgotada, ou o que ela "não considera as características e dificuldades de se produzir em região tropical".
Com base nesse diagnóstico, o relator faz várias mudanças, três das quais facilitam o uso de novos pesticidas sem avaliações seguras, em um país que, em que pese saltos de produtividade da agricultura, ela ainda é em boa parte predatória, e a atenção a populações rurais que convivem com pesticidas é deficiente, quando não inexistente.
Uma primeira mudança relevante, sob argumento de eficácia e rapidez, é o de concentrar a aprovação e registro dos agrotóxicos (oficialmente, pesticidas, segundo o PL) no Ministério da Agricultura (Mapa). A responsabilidade hoje é tripartite, com participação do Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esses dois órgãos passam a ter função subalterna de "apoiar tecnicamente" o Mapa, a quem caberá a decisão final.
A mudança tem viés político, não técnico. O Ministério da Agricultura é bastante permeável à influência da bancada ruralista e aos interesses dos partidos que loteiam o Executivo e é fácil supor que decisões técnicas não terão a primazia. A participação de Ibama e Anvisa têm oferecido até hoje, ainda que à custa da morosidade, uma blindagem a lobbies políticos e empresariais.
No ocaso de um governo fraco, esses lobbies têm sido bem-sucedidos com mais facilidade e o histórico de decisões na área ambiental da gestão de Michel Temer é muito ruim, assim como são conhecidas as vantagens obtidas por grupos de pressão agrícolas, como mostrou o parcelamento em condições camaradas das dívidas do Funrural. Entre o sistema atual e o da politização de decisões, o primeiro é o menos danoso.
Para permitir que o registro seja agilizado - sem que se toque na questão do aparelhamento e dos recursos humanos necessários para isso -, o PL estabelece prazos para registro e aprovação que não ultrapassam 24 meses. O problema não é esse, e sim o que vem a seguir, a criação do Registro Temporário e da Autorização Temporária de pesticidas, quando o solicitante tiver cumprido as exigências legais e "não houver a manifestação conclusiva" nos prazos estabelecidos".
O registro e autorização temporários valerão para pesticidas que estejam registrados em "culturas similares" em pelo menos três países da OCDE - e há enorme diversidade entre os 37. A Coreia do Sul, por exemplo, é um dos países em que o uso de pesticidas mais cresce no mundo, depois da China (Folha de S. Paulo, 15 de julho).
Por fim, os limites traçados para a aprovação e registro de produto são imprecisos, ou parecem contemplar só casos extremos, em que "as condições recomendadas de uso apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, ou seja, permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco".
A produção de pesticidas é concentrada em gigantescas empresas multinacionais e a concentração tende a crescer. O PL reconhece que "cerca de 80% dos produtos que as empresas registram não chegam às prateleiras para os agricultores, ou seja, as filas dos órgãos federais são utilizadas como estratégia de diminuição da concorrência e competitividade". Essa preocupação contradiz a suposta urgência necessária para a aprovação e registro temporários. Para resolver o problema da lentidão da burocracia, que é geral e não circunscrita ao registro de defensivos, não se precisa de mais uma lei.
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