- Correio Braziliense
A sucessão de Villas Bôas, que estava fora de cogitação até o final do governo de Michel Temer, devido ao agravamento do seu estado de saúde, começa a ser discutida na caserna
Discretamente, os militares ampliam sua influência no governo Michel Temer e junto aos demais poderes. Sob comando do general Joaquim Silva e Luna, a cúpula do Ministério da Defesa, criado para garantir o comando civil às forças armadas, pouco difere do antigo Estado-maior das Forças Armadas do regime militar, pois os cargos imediatamente abaixo do ministro são ocupados por oficiais generais da Marinha e da Aeronáutica. Mas ninguém se iluda, a principal liderança militar do país é o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Está gravemente doente e incapacitado de se locomover por meios próprios, mas esbanja lucidez.
Sua última aparição numa solenidade militar pública foi no dia 5 de julho, em São Paulo, na sede do Comando Militar do Sudeste, que tinha tudo para gerar uma crise política, pois se tratava de uma homenagem ao soldado Mário Kozel Filho, morto há 50 anos em um ataque da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Na véspera, a Corte Interamericana de Direitos Humanos havia condenado o Estado brasileiro pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em outubro de 1975, por militares, numa unidade do Exército.
Kozel foi morto por militantes da organização de esquerda radical que lançaram carro-bomba com dinamites na porta do quartel-general de São Paulo. À época, o soldado tinha 18 anos. Outros seis militares ficaram feridos. Após o ataque, 10 suspeitos foram detidos. Entre eles, Eduardo Leite, o Bacuri, morto enquanto preso em 1970, em São Paulo. Um outro suspeito do atentado, o ex-sargento Onofre Pinto, foi morto em uma ação do Centro de Informações do Exército, em Foz de Iguaçu (PR).
Villas Bôas voou para São Paulo e abortou qualquer possibilidade de provocação, com um discurso no fio da navalha: “Aquele incidente com o soldado Kozel, vítima inocente do terrorismo, nos obriga a exercitar o maior ativo humano — a capacidade de aprender. Agora é um momento que nos aconselha, aos brasileiros e às instituições, a prudência nos ânimos”. E arrematou: “Naquela época, a sociedade brasileira cometeu o erro de permitir que a linha de confrontação da guerra fria dividisse a nossa sociedade, o que acabou criando ambientes para que fatos lamentáveis, como a morte de Kozel e Herzog, tivessem ocorrido”.
Segundo o general, o episódio marca “um período de entusiasmos artificializados, de intolerâncias incitadas e de paixões extremadas que faziam os brasileiros míopes para a realidade civilizada. Foi um tempo que nos dividiu, que fragmentou a sociedade e nos tornou conflitivos”. Para o comandante do Exército, não existe a possibilidade de uma intervenção militar nos mesmos moldes do período do governo militar, entre 1964 e 1985: “Eu nem vejo um caráter ideológico nisso. Mas, de qualquer forma, as Forças Armadas, e o Exército, pelo qual eu respondo, se, eventualmente, tiverem de intervir, será para fazer cumprir a Constituição, manter a democracia e proteger as instituições”, afirmou.
Sucessão
“Quem interpreta que o Exército pode intervir (como no regime militar), é porque não conhece as Forças Armadas e a determinação democrática, de espírito democrático, que reina e preside em todos os quartéis”, disse Villas Bôas. Mas a situação é mais complexa. Setores militares que defendem uma intervenção militar no processo político não estão satisfeitos com o protagonismo já conquistado no Executivo e junto ao Congresso e ao Judiciário. Querem voltar ao poder e, para isso, estão engajados na candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
Duas das principais lideranças militares do país estão engajadas na campanha de Bolsonaro. O general Augusto Heleno, ex-comandante militar da Amazônia e das tropas de intervenção no Haiti, é cotado para vice do ex-capitão; o general Antônio Mourão, que passou à reserva depois de trombar com Villas Bôas, é o responsável pela preparação dos 115 militares das mais diversas patentes que vão concorrer às eleições. A campanha eleitoral mexe com os ânimos militares dentro e fora dos quartéis, porque a possibilidade de Bolsonaro se tornar presidente da República é real, com um discurso que é música para os setores mais conservadores.
É nesse contexto que a sucessão de Villas Bôas, que estava fora de cogitação até o final do governo de Michel Temer, devido ao agravamento do seu estado de saúde, começa a ser discutida em surdina na caserna. Há uma angústia generalizada no Alto Comando do Exército por causa de suas crescentes limitações físicas, embora a mente continue brilhante. No dia 28 de junho passado, houve nova movimentação no Alto Comando, na qual os generais de quatro estrelas Paulo Humberto César, Artur Costa Moura e José Luiz Dias de Freitas assumiram, respectivamente, as chefias de Estado-maior do Exército (EME), do Departamento Geral de Pessoal (DPG) e o Comando das Operações Terrestres(COTER), posições-chave na cadeia de comando. O sucessor natural de Villas Bôas seria o general Fernando Azevedo e Silva, chefe do EME, que passará à reserva no próximo mês de agosto.
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