-Valor Econômico
Bolsonaro pode ser passaporte para vitória do PT
O político experiente, acostumado com humores e reveses do eleitorado, é assertivo: "Vão eleger o Haddad presidente da República". O interlocutor tem lá suas dúvidas. Afinal, o petista, a 40 dias do primeiro turno, registra 4% das intenções de voto. O tempo é curto para o ex-prefeito de São Paulo cair na boca do povo que põe seu padrinho preso com quase 40% das preferências.
No passeio público, na manhã seguinte à sabatina de Bolsonaro ao "Jornal Nacional", populares parecem ter finalmente despertado para a eleição. Sobre a caçamba de entulho, a peãozada fala de política. Entre os dois mais exaltados, um é lulista. A pedestre, classe média, passa ao lado e ouve o outro defender Bolsonaro em voz alta. Compartilha o entusiasmo. Sorri e dá joinha com o dedo enquanto aclama o nome do militar reformado. O assentimento da desconhecida é senha para o alarido dos operários bolsonaristas. Em cima dos escombros, parte entusiasmada do grupo ovaciona o deputado.
Na noite anterior, o presidenciável foi seguro e, como sempre, agressivo na entrevista aos apresentadores do telejornal. Em geral, Bolsonaro é melhor no pinga-fogo com jornalistas do que no debate com adversários. Entre uma e outra situação, há um abismo. Já anunciou que deixará de comparecer nos próximos encontros, para logo em seguida voltar atrás e afirmar que irá. É onde vai pior. No ringue, tem sido uma sombra, sem força, pusilânime, sem ideias.
Como o estudante despreparado, que não estudou, precisa de cola. A ditadura que o candidato defende sujou as mãos de sangue com torturas e execuções. Bolsonaro apenas suja as mãos com tinta de caneta. Por enquanto. Se eleito, combaterá "violência com mais violência". Fará uma cruzada pela liberação de armas. Implantará escolas militares.
O candidato do PSL ganhou um eleitorado que parece imune ao exame de consciência ou ao politicamente correto. Está pouco se importando tanto para as causas e problemas de minorias quanto os de maiorias (mulheres, negros, índios, quilombolas, LGBTs, empregados com carteira assinada, trabalhadores sem-terra, crianças que sofrem "bullying" etc). São tantos os alvos, que surpreende a capacidade que Bolsonaro teve, até agora, de reter e ampliar o apoio, mesmo sem moderar o discurso, algo esperado para qualquer campanha majoritária.
Por outro lado, o parlamentar tem esbarrado num teto para o seu crescimento. Tem dificuldade de ultrapassar o patamar dos 20%, mesmo no cenário sem a presença de Lula. A barreira de Bolsonaro são os pobres, os menos escolarizados, as mulheres, o Nordeste, que puxam para baixo seu potencial. Na região onde o PT reina, o ex-capitão tem apenas 9% pelo Ibope, e 11% pelo Datafolha, diante de intenções totais de 18% e 19%, respectivamente, na amostra. Entre as mulheres, registra, 12% e 13%. O maior percentual de Bolsonaro, nos recortes dos dois institutos, está na faixa dos que ganham de cinco a dez salários mínimos do Datafolha: 32% O menor, 8%, entre os que têm escolaridade até a 4ª série primária no Ibope.
Nesse último estrato, também pelo Ibope, Lula atinge 51%. Entre os que ganham até um salário mínimo, o ex-presidente alcança 53%; e tem o maior percentual, 60%, no Nordeste. Baixas renda e escolaridade e região Nordeste também são, pelo Datafolha, as categorias mais favoráveis ao petista.
O teto do lulismo é muito mais elástico do que o de Bolsonaro, está apoiado em contingentes que formam maiorias do eleitorado. É por essa razão que as expectativas sobre Haddad, seu substituto com a provável impugnação da candidatura pela Justiça eleitoral, alimentam visões de que o ex-prefeito de São Paulo não só chegará ao segundo turno, como derrotaria Bolsonaro na etapa final.
É o que acha, por exemplo, o cientista político formado pela Universidade de Harvard, Andrei Roman, da plataforma Atlas Político. Em condições normais, diz, o PT não teria como ganhar a eleição presidencial, mas diante da alta rejeição a Bolsonaro a tendência é que qualquer concorrente do candidato do PSL deve levar vantagem no segundo turno. Sua opinião coincide com a do experiente político - não petista - que abriu a coluna, para quem o PT estava "morto", mas foi ressuscitado porque "fizeram o impeachment, deram um golpe" e o partido passou a ser oposição, em meio à profunda crise econômica.
Para Roman, apesar do clima de indignação, o cidadão tem sido movido mais pela racionalidade do que pela emoção. O eleitor lulista, afirma, é bastante racional ao lembrar o quanto a vida dele mudou durante os mandatos do ex-presidente. E o eleitor anti-Lula também seria racional ao priorizar o combate à corrupção e destacar o "desastre da gestão Dilma". O perfil radical do ex-capitão do Exército, porém, é o que pode garantir o PT no segundo turno e a volta ao Planalto. "O Bolsonaro pode ser o passaporte para a vitória do PT", diz.
Do mesmo modo que outros especialistas, como o sociólogo Antonio Lavareda e o diretor do Datafolha Mauro Paulino, Roman prevê que, com a transferência de votos de Lula para Haddad, o ex-prefeito de São Paulo terá em torno do 15%, cerca de 20% dos votos válidos. "Apostaria na vitória do Haddad, apesar de hoje ser fraco, desconhecido, um poste. Seu desafio é transmitir emoção, não passar a imagem de alguém muito cerebral".
A passagem para o segundo turno está diretamente ligada às perspectivas de Geraldo Alckmin (PSDB), que caem a cada dia. O latifúndio de 44% do tempo de propaganda de rádio e TV - que começará nesta sexta-feira, e no sábado para os candidatos a presidente - poderá lhe salvar. Mas o tucano, mesmo com tantos mandatos como governador de São Paulo, está em terceiro lugar no próprio Estado, com 12%, num cenário em que Lula aparece com 26%, e Bolsonaro, 21%.
O problema de Alckmin já não é só mais Bolsonaro, nem Alvaro Dias (Podemos), diz o pesquisador, que foi um dos primeiros a detectar por meio de trackings diários, o crescimento de João Amoêdo (Novo), impulsionado pelas redes sociais: "O próprio Alckmin disse que não tinha interesse em mídia social. A estratégia se mostrou errada".
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