- Folha de S. Paulo
Bolsonaro cresceu em cenário de terra arrasada e a reboque do caos
Dirigentes petistas costumam dizer que Jair Bolsonaro (PSL) é produto do “ódio plantado pelo PSDB” na eleição de 2014, e é mesmo provável que a ferrenha disputa política desencadeada pela reeleição de Dilma Rousseff ajude a explicar a ascensão do “mito”. Mas certamente ela não é o único fator a ser considerado.
Algumas das ondas nas quais o capitão reformado do Exército hoje surfa com muita tranquilidade ressoam discurso divisivo martelado pelo próprio PT há anos —mas, novamente, não é só isso.
Bolsonaro amealhou eleitores no cenário de terra arrasada da política; embate entre Congresso, Planalto e Judiciário; bate-boca no Supremo; dúvidas sobre a atuação de juízes, promotores, procuradores e ministros; ataques à imprensa.
Ele é um produto do nosso tempo.
A aversão do partido do ex-presidente Lula à mídia, comumente chamada de parcial e golpista nos palanques do PT, fertilizou o solo no qual o presidenciável do PSL, hoje, transforma toda crítica ou questionamento legítimo em “fake news” ou “mimimi” de uma imprensa preconceituosa que não o quer no poder.
Já ouviu isso antes? Pois é. De todo modo, o PT não está 100% errado quando vê na atuação de parcela do tucanato as raízes do discurso de bolsonaristas.
Aécio Neves (PSDB-MG) provavelmente não tinha ideia do que estava semeando quando, após ser derrotado por Dilma, resolveu questionar o resultado das eleições no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Fica a dica para o futuro: a democracia é frágil.
“Vamos entrar com um negócio aí para encher o saco deles também”, disse Aécio, explicando as motivações de seu intento ao interlocutor que, não por esse trecho, mas com o resto do conteúdo desta mesma conversa, deu um golpe fatal em sua trajetória política: Joesley Batista.
A cena política se desmantelou ao longo dos últimos anos como naquele jogo em que se flerta com o perigo ao retirar, lentamente, tijolinhos de madeira que sustentam uma estrutura torcendo para que ela só caia no lance do adversário.
A imprensa também tem sua parcela de culpa. Não pelos erros cometidos no noticiário cotidiano, risco embutido na missão do jornalista, mas pela cobertura no automático, quase acrítica dos mais de quatro anos de Lava Jato.
Muitos dos implicados no escândalo voltarão às urnas sem que nem sequer os inquéritos que pesam contra eles tenham sido concluídos.
Não só. É preciso reconhecer que eventuais erros da força-tarefa não foram explorados com o mesmo ardor que mobilizou atenções às denúncias.
Quando o juiz Sergio Moro —que, registre-se, muito mais acertou do que errou— divulgou grampo de conversa entre Dilma Rousseff, então presidente, e Lula, ainda em 2016, sem autorização do Supremo, a Folha foi o único veículo de grande porte a condenar o episódio em editorial nos dias que sucederam o ato.
Aquela noite, a noite daquele áudio, liquidou qualquer chance que a petista ainda tinha de sobreviver ao impeachment. Mudou a história.
Com as vísceras da política expostas há quatro anos, sem que a sociedade tenha conseguido fechar a conta entre culpados e inocentes, a desconfiança paira sobre todos.
E a descrença associada à crise econômica legada pelos erros de condução da economia da última gestão petista criou um caldo perigoso, que dá à corrupção, mazela que certamente precisa ser combatida, o falso aspecto de causa de todos os males.
Esta eleição é o resultado de tudo isso. Vai levar tempo até que seja possível fazer um diagnóstico certeiro, mas, independentemente do resultado que Bolsonaro alcance no fim da disputa, sua performance até aqui já é notável.
A reboque do caos, ele levou a extrema direita a um patamar jamais visto no Brasil após a redemocratização.
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