- Correio Braziliense
“A radicalização e o ódio na campanha eleitoral contrariam a cultura de conciliação da política brasileira. O medo dessa confrontação pode ter um peso decisivo nas eleições”
Para a maioria dos analistas, o principal problema do Brasil hoje é a crise fiscal, que desorganiza as contas públicas. A solução desse problema deveria ser o centro do debate entre os candidatos a presidente da República, mas não é isso o que acontece, porque não há uma percepção popular acerca do seu significado para a vida das pessoas. Não existe uma associação clara entre o fato de o governo gastar mais do que arrecada, em particular a Previdência, e a resposta aos problemas do dia a dia da população. Por essa razão, os candidatos que focam as campanhas nessa discussão não sensibilizam a grande massa do eleitorado, apenas os agentes econômicos e setores mais esclarecidos da população.
As prioridades do eleitorado estão em outra agenda, que podemos identificar num tripé. A primeira é o desemprego, que desestrutura as famílias, pois atingiu uma escala crônica, chegando a 13 milhões de vítimas no país. Na região metropolitana de São Paulo, atingiu 17% no mês de julho, mesmo percentual do mês anterior, segundo a Fundação Seade e o Dieese. Em julho de 2017, a taxa foi de 18,3%. O contingente de paulistas desempregados é estimado em 1,8 milhão de pessoas. Estamos falando de São Paulo, a cidade que historicamente representou uma espécie de “sonho americano” no Brasil. Talvez, isso explique as dificuldades que o candidato tucano Geraldo Alckmin esteja enfrentando no próprio terreno.
A taxa de desemprego pouco variou no município de São Paulo (de 16,3% para 16,2%), diminuiu na região leste, que inclui Guarulhos e Mogi das Cruzes (de 19,7% para 19,0%), e subiu na região sudeste e cidades do Grande ABC (de 17% para 18,2%). Além disso, o rendimento médio real dos ocupados caiu em 1,6%, e o dos assalariados, em 1,4%, passando a equivaler a R$ 2.089 e R$ 2.157, respectivamente. É óbvio que esses números são consequência da forte recessão ocorrida no governo Dilma Rousseff e das dificuldades de retomada do crescimento num ambiente de desajuste fiscal, mas essa percepção é obscurecida pelo desgaste sofrido pelo governo Michel Temer em razão da Operação Lava-Jato.
Vem daí a segunda prioridade: o combate à corrupção. A Lava-Jato, como já se sabia, se tornou um vetor importante da campanha eleitoral, com forte influência no posicionamento dos eleitores. Mesmo considerando a campanha feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a operação, para caracterizá-la como um instrumento de perseguição política, essa variável continua fortíssima. De certa forma, o ex-presidente conseguiu romper essa barreira em termos eleitorais, mas ela é intransponível juridicamente, pois Lula estará preso e terá sua candidatura impugnada.
A terceira prioridade é violência, que está relacionada ao desemprego, à desestruturação das famílias e à corrupção. É aí que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) nada de braçada, com seu discurso a favor do endurecimento da repressão policial, em defesa da família unicelular patriarcal e de soluções mágicas para a crise econômica. Seu principal assessor econômico, Paulo Guedes, se propõe zerar o deficit público em um ano, com um programa de reforma administrativa e privatização radical dos ativos públicos, que seriam transferidos para um fundo de resgate da dívida pública.
Bom senso
A grande dificuldade que todos os demais candidatos estão enfrentando no processo eleitoral para superar a polarização Lula versus Bolsonaro decorre do fato de que ambos exploram, com sinal trocado, o senso comum do eleitor. Como se sabe, o senso comum é uma visão de mundo disseminada de forma desordenada e assistemática, quase sempre alicerçada em ideias religiosas e nos costumes, contra a qual é muito difícil se opor. A não ser que entre em cena o chamado “bom senso” em relação à solução objetiva dos problemas. Por exemplo, é um senso comum culpar o governo Temer pelas altas taxas de desemprego; em contrapartida, é uma questão de bom senso limitar os gastos pessoais à capacidade de endividamento das famílias.
Assim, a percepção de que o mesmo critério adotado para equilibrar as finanças domésticas deve ser usado nas contas públicas seria uma questão de bom senso, uma espécie de ovo de Colombo, mas não é. A corrupção, os privilégios e os desperdícios de recursos públicos impedem essa compreensão. Tanto Lula como Bolsonaro apostam em concepções arraigadas da população, alicerçadas no senso comum (não é à toa que uma parcela do eleitorado de ambos se confunde), mas há o outro lado da moeda: a radicalização política e a disseminação do ódio ideológico na campanha eleitoral por ambos contrariam a cultura de conciliação da política brasileira. O medo dessa confrontação pode vir a ter um peso decisivo nas eleições em favor de uma candidatura mais moderada, identificada com o eleitor mais preocupado em defender sua família do desemprego, da violência e da desestruturação.
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