A Argentina voltou a bater às portas do Fundo Monetário Internacional antes de completar três meses do acordo stand by que lhe garantiu um crédito de US$ 50 bilhões nos três anos de duração do programa. O peso voltou a mergulhar, acompanhando os movimentos da lira turca, uma ligação por tabela feita pelos investidores diante da similaridade do estrangulamento externo de ambos os países. Em agosto, o peso se depreciou em mais de 10% e, no ano, perto de 45%. Ontem, tanto o peso como a lira lideraram os movimentos de desvalorização das moedas emergentes.
No acordo firmado, o governo argentino obteve a liberação imediata de US$ 15 bilhões, o que seria, na projeção do FMI, suficiente para suprir as necessidades de financiamento do ano. Em princípio, o governo declarou que as próximas parcelas do cronograma de desembolso seriam preventivas, isto é, só seriam sacadas se algo desse errado. E deu. O presidente Mauricio Macri anunciou ontem aos argentinos que pedira ao FMI o adiantamento de "todos os fundos necessários para garantir o cumprimento do programa financeiro no próximo ano".
O Fundo fez um cenário básico ao lado de outro, adverso. Ao liberar US$ 15 bilhões, concluiu que novos desembolsos não seriam necessários, mas parece ter antevisto os riscos: "Caso os mercados vejam o programa com o Fundo como uma oportunidade para se livrar dos ativos da Argentina, isso inevitavelmente trará uma significativa depreciação real, taxas de juros mais altas e menor crescimento. Esse cenário aumenta o risco para a sustentabilidade da dívida". O FMI apontava também a influência de condições externas desfavoráveis e as duas coisas parecem estar acontecendo.
Os números da economia argentina estão agora bem mais próximos do cenário adverso. O crescimento da economia em 2018, previsto em 0,4%, será uma retração de 1%, anunciou o ministro das Finanças, Nicolás Dujovne, bem mais próximo da queda de 1,3% no cenário adverso do FMI. A inflação deveria encerrar 2018 em 27%, mas também está se afastando dessa meta. Em julho, atingiu 3,1% e em 12 meses, 31,2%, já perto dos 31,7% da perspectiva pessimista do Fundo. A taxa de juros, de 45%, ultrapassa os 43% do pior cenário e está longe da meta de 37,2%.
O anúncio oficial do pedido de antecipação dos recursos do FMI, sem indicar especificamente montantes - seriam desembolsos trimestrais de US$ 3 bilhões até o fim de 2019 ou mais que isso? - ampliou o temor dos investidores de que o país possa não ter dinheiro suficiente para cobrir dívidas de US$ 82,6 bilhões que vencem de hoje até o fim do próximo ano. As reservas internacionais, na posição de junho, somavam US$ 55 bilhões, após terem caído a seu menor volume no ano, de US$ 44 bilhões, durante a tempestade econômica de maio.
A depreciação do peso complica a estabilização da relação entre dívida bruta e o PIB, hoje em 64,5% e que precisa cair, pelo acordo com o FMI, para 56% em 2021. Uma desvalorização de 10%, como ocorre em agosto, acrescenta mais cinco pontos percentuais ao nível atual. A escalada cambial pode fazer os preços estourarem o teto da meta de inflação já em agosto (32% em 12 meses), distanciando-se ainda mais do centro perseguido, de 17%. Ela aumenta custos da rolagem das letras do Banco Central (Lebac), cujo estoque chegou a 10% do PIB e o acordo quer reduzir a 3,5% até maio de 2021. Hoje essa dívida em pesos, correspondente a US$ 21 bilhões, vence a cada 35 dias e paga juros de 52% ao ano aos investidores.
A esperança do governo de que o dinheiro do Fundo trouxesse alívio por um bom tempo às angústias econômicas da Argentina foi logo frustrada e tornou mais difícil evitar novas quedas na popularidade de Macri, que tentará a reeleição em 2019. O adiantamento repentino de recursos, com os quais o FMI deverá concordar, trará consigo a necessidade de medidas mais drásticas do que as que vem sendo tomadas, no tratamento relativamente gradual da instituição em relação a seus programas do passado.
As chances de reeleição de Macri, porém, não são ainda pequenas porque a principal líder da oposição, a senadora Cristina Kirchner, está atolada em uma avalanche de denúncias de corrupção, que já levaram à prisão vários de seus colaboradores de seus tempos na Casa Rosada. Macri conseguiu aumentar sua bancada parlamentar, embora ainda seja minoria no Congresso, enquanto a oposição atrai descontentes. Mas ela não está unida nem tem outro nome forte, fora Cristina.
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