Não é difícil entender a postura do PT e do PCdoB que, na noite de domingo 5 de agosto, indicaram Fernando Haddad candidato a vice-presidente na chapa de Lula e um acordo nacional que permitirá a Manuela D’Ávila entrar na chapa mais à frente. Era o que lhes cabia fazer.
Mas surpreende o modo como as decisões foram tomadas.
PT e PCdoB são partidos laicos, com quadros políticos experimentados e militância ativa. Todos ali sabem pensar com a própria cabeça e se vangloriam disso.
Porém, para por em ação o “plano B” e a operação concluída ontem, precisaram aguardar que Lula enviasse da prisão uma carta dando aval à nova estratégia. Sem a palavra final e a ordem do ex-presidente, o impasse persistiria. Criou-se assim um cenário de submissão e subserviência, no qual Lula é apresentado como uma mente superior, no melhor estilo “guia genial do povo”, devidamente revestida da imagem de “maior líder político do Brasil”.
A indicação feita pela carta de Lula não conteve qualquer novidade ou surpresa. O “plano B” era notícia de véspera, conhecida por todos, vinha sendo cozinhada nos bastidores há semanas. Tudo não passou, na verdade, da obediência a um rito, destinado a consagrar a ideia de que Lula toma as decisões cruciais, que somente sua mente iluminada poderia tomar, graças ao descortino e ao desprendimento pessoal que a caracteriza.
Foi uma encenação, típica da política em estado bruto. A verdade dos fatos revela o inverso do que foi apresentado: os dirigentes partidários decidiram o que julgaram ser melhor e comunicaram a Lula as conclusões e avaliações do debate interno.
Mas o fato de terem aceitado o papel público de coadjuvantes, de paus mandados do chefe supremo, não mostra somente a baixa qualidade dos dirigentes e sua “disposição ao sacrifício”. É a prova cabal da disposição que têm de manter vivo um “mito” e uma mística regressista, que só servem para congelar o povo lulista em um estado de passividade sebastianista e exaltação religiosa.
Foi patético, durante a convenção petista, ver militantes colocando máscaras com a cara sorridente de Lula. De seu retiro forçado em Curitiba, o ex-presidente alimentou o surto místico: “sei que estou presente em cada um de vocês”.
A estratégia lulista e a insistência de Lula trouxeram desconforto a lideranças diferenciadas como Manuela e Haddad, que se rebaixaram sem resistência aos desígnios de seus partidos, numa demonstração de que o personalismo e o burocratismo engessam a esquerda de um modo que se imaginava superado.
Pior é ver Haddad, um intelectual provado e talentoso, submeter-se a um “estágio probatório” para que os olhos superiores do chefe avaliem se possui o DNA petista e a qualidade necessária para ser candidato. Reduzido à condição de estepe de uma manobra bastante farsesca, Haddad pode não mobilizar as bases partidárias, que o rejeitam, perder os espaços que conquistou e esfriar a renovação do PT, coisa que, de resto, é indispensável e para a qual ele tem o perfil adequado.
Ele aceitou o jogo, mesmo sabendo que pode sair do processo menor do que quando nele entrou. Efeito colateral cruel da vigência cega da disciplina partidária, essa máquina que tritura talentos e esmaga a criatividade.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política da Unesp
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