Os efeitos de uma guerra comercial persistente entre as duas maiores economias do mundo só aparecerão mais intensamente em 2019, mas seus sinais são já visíveis nas estatísticas, especialmente nas que medem as expectativas. A Organização Mundial do Comércio, com seu Indicador sobre as Perspectivas do Comércio Global, em tempo real, mostra desaceleração, a caminho da retração (100,3 pontos). Em seu boletim mensal, o Banco Central Europeu menciona que "incertezas relacionadas a fatores globais, notadamente a ameaça do protecionismo, permanecem proeminentes".
O BCE aponta a perda de fôlego do comércio global e que, se todas as ameaças tarifárias do presidente Donald Trump se concretizarem, os EUA terminarão com um nível de proteção não visto em mais de meio século. Além disso, o nível de novas encomendas de países da zona do euro caiu de fevereiro a junho.
O pessimismo com a guerra tarifária deteriorou significativamente o clima econômico global. Um dos indicadores que o medem, o do Ifo (Instituto de Pesquisas Econômicas de Leibniz), registra que as expectativas estão em seu pior momento desde 2011, e que, por esse ângulo, a economia mundial "desacelerou e agora rasteja". Os números da pesquisa indicam queda de investimentos e a perspectiva de estagnação no consumo. O atenuante é que se parte de uma base de comparação bem alta.
O estrago maior, que exige tempo e difíceis decisões empresariais, deverá ocorrer nas cadeias globais de produção, se de fato o imprevisível Trump levar sua cruzada a sério, até o fim. Até o primeiro tiro dessa guerra, com tarifas de 25% para US$ 35 bilhões de exportações cada lado, os potenciais efeitos das retaliações são localizados. Do lado americano, 90% dos produtos chineses taxados são insumos intermediários para máquinas e equipamentos. E 91% dos 545 produtos visados pelos chineses, são do setor agrícola, segundo estudo do Petersen Institute of International Economics.
Trump ameaça elevar a disputa a US$ 200 bilhões e será difícil então que os prejuízos econômicos de ambos os países não se disseminem mais amplamente pela economia global. Os bens de consumo "made in China" não escaparão de ser um alvo americano, pois compõem três quartos do déficit de US$ 505 bilhões dos EUA com a China em 2017. A lista, segundo o site The Conversation, alimentado por universidades americanas, por ordem crescente de importação, é encabeçada por celulares, seguidos por computadores e equipamentos de telecomunicações (só os três itens somam US$ 149 bilhões).
Como as cadeias de produção não foram levadas em conta pelos falcões protecionistas da turma de Trump, as perdas americanas não se resumirão ao dinheiro a mais gasto por seus consumidores. O mapeamento global do valor adicionado do comércio exterior dos países, feito pela OMC, mostra, embora com dados defasados, que apenas um terço do valor agregado nas vendas de bens da China para os EUA é de fato chinesa. O restante vem de insumos e serviços provenientes de Japão, Coreia - e também dos Estados Unidos, que fornece um terço desses bens e serviços que voltarão ao país via importação.
Uma guerra comercial total contra a China levará os fornecedores que produzem na China a mudar suas fábricas de lá e isso já tem ocorrido marginalmente, em direção a Malásia e Indonésia. Com isso, dizem os analistas, um dos efeitos básicos, considerando-se o objetivo de Trump de eliminar o déficit comercial, é que ele não diminuirá muito, apenas deixará de ser concentrado na China para se distribuir por vários países.
A dimensão do erro americano em colocar tarifas para os parceiros do Nafta e a China pode ser vista pela porção das exportações americanas que vão para a China e a fatia criada do valor doméstico. Canadá e México estão retaliando os EUA em resposta a tarifas no aço e alumínio. Pois, em geral, das vendas americanas para o Canadá, seu primeiro parceiro comercial, 82% é adicionado nos EUA; porcentagem que passa para 79% nas vendas para o México, seu segundo maior mercado e 85% no caso dos bens vendidos à China.
A proliferação das cadeias globais de produção reduziu bastante os custos, o que beneficiou também os consumidores do maior mercado do mundo - o dos EUA. Forçar a realocação destas cadeias via protecionismo pode elevar os preços não apenas nos Estados Unidos e China, mas, depois, em toda a economia global, em um momento em que ela desacelera por conta da guerra comercial. Não é pouca coisa o que está em jogo.
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