O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levou em frente sua ameaça e estabeleceu tarifas de 10% para mais US$ 200 bilhões em exportações chinesas para o país. Metade das vendas da China aos EUA estão agora sob retaliação, algo inédito no comércio internacional. A China anunciou em seguida que mais US$ 60 bilhões em mercadorias americanas pagariam de 5% a 10% em uma lista de 5207 produtos - isto é, 85% da exportação americana foi taxada. As medidas valem a partir de segunda-feira.
O jogo bruto tornou-se a tática habitual de Trump, mas segundo os líderes chineses, "não vai funcionar". O governo americano preparava uma nova rodada de negociações para breve, mas a pior maneira de convidar alguém para discutir algo é ameaçá-lo, como Trump fez. Ele, com sua habitual ligeireza, disse que já aplicou as tarifas sobre produtos chineses e nada de ruim até agora ocorreu com os EUA. E sentiu-se encorajado ao constatar, sabe-se lá com que dados, que a economia chinesa está em maus lençóis com a pressão americana. Trump disse que se Pequim não entrar em algum acordo para cessar suas práticas desleais de comércio e roubo de propriedade intelectual, não só aumentará a última leva de tarifas de 10% para 25%, como poderá taxar mais US$ 257 bilhões - ou todo o comércio chinês com os EUA.
Ao contrário da primeira leva de punição americana, a nova incluiu produtos de consumo final, apesar de o governo ter atendido pedidos da Apple e de outros fabricantes de eletroeletrônicos de os deixarem fora dessa. Não há dúvidas de que a China será economicamente ferida pela guerra comercial, mas os EUA estão superestimando suas armas e subestimando a capacidade de resistência de Pequim. Os números dizem que as exportações da China para os EUA foram 18% de suas vendas externas totais em 2017. Além disso, com o redirecionamento em curso da China em direção a mais consumo e menos investimento, mais mercado doméstico e menos comércio exterior, o peso das exportações em relação ao PIB recuou de 35% para 18,5%.
Os EUA estão dando um tiro no pé nas próprias exportações com a guerra tresloucada de Trump, e bagunçando as cadeias globais de produção que tem nas empresas americanas um de seus maiores protagonistas e beneficiários. A China tornou-se um hub industrial central para várias dessas cadeias e a aplicação de tarifas sobre os produtos do país pode também encarecer os bens produzidos nos quatro cantos do planeta, um movimento no sentido contrário à deflação exportada pela China quando ela seguia a rota que a levaria a ser a segunda potência econômica mundial.
Há algumas formas de escapar ao cerco americano. Uma delas é acelerar um movimento que já existe, de exportar linhas de produção para outros países e fugir das tarifas. Outra delas é deixar o renminbi se desvalorizar. De metade de junho até ontem, a moeda chinesa se depreciou 6% e um pouco mais nessa direção será suficiente para compensar a barreira tarifária imposta. O movimento cambial, porém, têm seus riscos e pode provocar fuga de capitais, o que não interessa aos líderes chineses.
A China recorreu ontem mesmo à Organização Mundial de Comércio contra a elevação de tarifas americanas. A comissária para comércio da União Europeia condenou a iniciativa de Trump, mas em termos que não favorecem a China. "Discordamos no método", disse Cecilia Malmstrom, após assentir que as práticas comerciais que os EUA estão condenando existem e merecem condenação. Ambos, mais Japão e outros países estão se unindo para promover uma reforma na OMC cujo sentido imediato será obrigar a China a jogar um jogo comercial mais justo - com seu consentimento, via negociação transparentes e sem ameaças.
A China sabe que não lhe interessa ceder às chantagens de Trump, por motivos conjunturais e estratégicos. No curto prazo, Trump pode perder maioria na Câmara para os democratas em novembro, e terá menos liberdade de ação do que agora. Depois, os EUA estão empenhados em deter a escalada tecnológica da China e sua expansão como potência global. A guerra comercial é a continuação de uma história que já começou há décadas. Manobras militares gigantescas conjuntas de China e URSS, com Xi Jinping comendo caviar com Vladimir Putin foram um recado óbvio aos EUA. Seu relaxamento no embargo à Coreia do Norte, já percebido, foi outro. A disputa não deve acabar tão cedo, mas nos termos imediatos da guerra comercial ela acabará provocando redução do crescimento global e pressões inflacionárias.
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