quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Cristiano Romero: Era uma vez um país que sobreviveu à pior crise...

- Valor Econômico

Brasil foi um dos primeiros a sair da crise mundial de 2008

Há exatos dez anos, o mundo vivia sua pior crise financeira e, pela primeira vez, o Brasil conseguiu enfrentar um abalo daquela magnitude sem desorganizar a economia. O país estava preparado. Quatro meses antes, ganhara de uma das agências de classificação de risco o selo de bom pagador - o grau de investimento, segundo designação das agências. Após quase três décadas de muito pelejar, o que desde 1982 significava cortar investimento público e aceitar a deterioração dos serviços prestados pelo Estado, a União tinha dívida cadente, embora ainda cara e com prazos de vencimento curtos. Isso permitiu controlar a inflação, praticamente dobrar o ritmo de crescimento do PIB, diminuir o desemprego e ampliar gastos sociais.

A crise de 2008 não foi uma "marolinha". Por causa do pânico generalizado, a atividade econômica teve parada súbita depois da quebra, em 15 de setembro, do banco americano Lehman Brothers. O PIB entrou em recessão técnica (crescimento negativo por dois trimestres consecutivos), os bancos pequenos e médios sofreram corrida que lhes custou perda de R$ 40 bilhões em depósitos e, o que parece uma contradição, grandes empresas exportadoras amargaram prejuízos bilionários por causa da desvalorização abrupta da taxa de câmbio.

A turbulência começou em meados de 2007, nos Estados Unidos. Espalhou-se rapidamente pelas economias desenvolvidas graças à integração dos mercados financeiros, mas apenas em setembro de 2008 bateu nos emergentes. O Brasil ganhara o grau de investimento quando a crise fazia vítimas nos EUA e na Europa. Por causa disso, investidores nacionais e estrangeiros trouxeram bilhões de dólares para aplicar aqui. Como os juros domésticos figuravam entre os maiores do planeta e os das nações ricas, que já estavam baixos antes da crise, caíram a níveis históricos, o diferencial estimulou os fluxos.

Bancos operando no mercado doméstico inventaram, então, um produto aparentemente atrativo para empresas exportadoras: os contratos de derivativo cambial. Era uma espécie de aposta, que consistia no seguinte: se o real continuasse valorizado ou se valorizando, quem comprasse aquele contrato ganharia um bom dinheiro; no cenário oposto, de desvalorização do real, perderia. Como a confusão lá fora se iniciou em meados de 2007 e o Brasil não sofreu abalo algum durante mais de um ano, diretores financeiros de algumas empresas viram a chance grande de obter bons lucros.

A ruína do Lehman arrastou os emergentes para a crise. A cotação do dólar no Brasil, que em agosto de 2008, a menos de um mês da hecatombe, escorregou para R$ 1,50, disparou nas semanas seguintes e, no pior momento, chegou a quase R$ 2,50. O pesadelo para quem tinha derivativo cambial e acreditou que o país ficaria imune começou. A princípio, poucos no mercado sabiam da encrenca que esses ativos "tóxicos" representavam, mas aos poucos dois diretores do Banco Central (BC) - Mário Torós e Mário Mesquita - perceberam que o problema podia ser muito maior e ter efeito disruptivo.

No início de dezembro de 2008, um fundo de hedge americano montou posição especulativa contra o real, justamente por acreditar que o volume de derivativos cambiais fosse maior que o esperado. Naquele momento, o BC temeu o pior, mas, como outros fundos de investidores não aderiram ao "ataque" dos americanos, foi possível defender o real.

Os derivativos, contudo, machucaram grandes companhias - entre as quais, Sadia, Aracruz Celulose e Votorantim. Torós estimou que os contratos somaram US$ 38 bilhões e que as empresas envolvidas tiveram prejuízo total de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões na cotação de ontem). Foi muito dinheiro para quem perdeu, mas, felizmente, pouco para o conjunto da economia brasileira.

O Brasil enfrentou aquela grave crise até com alguma galhardia porque vinha trabalhando duro, desde 1999, para colocar as finanças públicas em ordem. Conforme mencionado, a inflação estava sob controle, a dívida pública diminuía e, não menos importante, o BC acumulou reservas cambiais, durante o período de bonança do comércio mundial, para lidar com períodos de baixa liquidez internacional. Em 2005, o país quitara antecipadamente a dívida contraída, com o FMI, durante a crise de 2002-2003 e conquistou, em 2008, o selo de bom pagador.

Como em toda crise externa, o primeiro efeito para as economias em desenvolvimento foi o corte das linhas de crédito para financiamento do comércio externo. A saída foi lançar mão, sem muito constrangimento, de medidas heterodoxas, mas isso só foi possível a quem fez o dever de casa antes. O BC, por exemplo, usou parte das reservas para financiar exportações.

Os bons resultados qualificaram o país a se beneficiar dos acordos de swap de moedas oferecidos pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA. Foi uma forma de assegurar que não faltassem dólares para financiar o comércio mundial. No primeiro momento, o Fed firmou acordos apenas com os bancos centrais de países ricos. Em seguida, estendeu-os a alguns emergentes, mas apenas aos que estivessem com bons fundamentos.

Aquele acordo foi importante porque, como explicou Mário Mesquita ao repórter especial Sergio Lamucci, do Valor, "apesar de o sistema bancário [brasileiro] ser sólido e de a economia estar com um nível de reservas elevado, as nossas instituições financeiras começaram a sofrer discriminação por estarem fora desse guarda-chuva. Consideramos importante, então, fazer esse acordo de swap de moedas, fruto de uma série de conversas do BC com as autoridades especialmente do Fed de Nova York, a parte internacional do Fed".

O Brasil acabou sendo um dos primeiros países a sair da crise mundial. A recessão durou pouco e, em meados de 2009, o PIB já tinha voltado a crescer. No ano seguinte, avançou 7,5%, a maior taxa em 24 anos.

A boa experiência, porém, não evitou que o governo seguinte, de Dilma Rousseff, destruísse, de forma inexplicável, o arcabouço macroeconômico que deu segurança ao país durante a pior das crises. Graças a essa aventura, nosso PIB ficou três anos em recessão (2014-2016) e reagiu muito pouco nos últimos dois, o desemprego bateu recordes, a miséria avançou, o Estado quebrou e a nação perdeu o selo de bom pagador. E, agora, o país figura entre os mais vulneráveis a uma onda avassaladora de aperto de liquidez mundial.

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