quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Míriam Leitão: O ajuste adiado da Argentina

- O Globo

Agravamento da crise na Argentina mostra que o novo governo brasileiro não terá tempo para implementar ajustes graduais

A agência de risco Moody's disse que a Argentina terá, com o socorro do FMI, grande parte dos dólares necessários para fazer frente às necessidades de financiamento no ano que vem. Mas o país continua no córner, mesmo coma ajudado Fundo. O erro do presidente Maurício Macri foi acharque teria tempo. Ao ser recebido com alívio pelo mercado financeiro, depois do desastroso governo Cristina Kirchner, ele optou pelo gradualismo. Só que a situação internacional mudou.

O economista Alexandre Póvoa, da Canepa Asset, disse que os problemas de Macri começaram quando o Fed deu sinais, no ano passado, de que elevaria a taxa de juros mais rapidamente. E continua elevando os juros, como fez ontem. Com isso, países com fragilidade cambial ficam expostos, como a Turquia e também a Argentina.

“O maior erro de Macri foi não reconhecer a urgência das reformas profundas, em uma economia deprimida e com inflação alta. A Argentina carrega a combinação explosiva de, por um lado, uma alta relação dívida/PIB, de 54%, e de outro o déficit primário e de conta corrente de 3,5% e 5,1% do PIB”, escreveu o esconomista em relatório a clientes.

O ajuste que o Brasil fez nos últimos anos nos livra de algumas comparações, mas não de todas. O Brasil tem uma dívida/PIB até maior e um déficit primário de 2% do PIB. Porém, a dívida deles é dois terços atrelada ao dólar, a nossa é quase toda em reais. Aqui, o governo Temer conseguiu reduzira inflação de perto de 10% para 4%, e os juros, de 14,25% para 6,5%, enquanto eles tiveram que subir as taxas de 40% para 60%. Lá, Ma cri conseguiu reduzira inflação que havia chega doa 40% no fim do governo Kirchner, mas agora as taxas estão voltando para o mesmo patamar. Aqui, o Brasil reduziu o déficit de conta-corrente do seu pico em 2015 de 4,45% do PIB, para 0,8% do PIB. Além disso, o país tem alto volume de reservas cambiais, acumuladas principalmente no governo Lula.

Se alguns pontos tornam a economia brasileira bem mais forte, é bom ver que países com desajuste tão grande, quanto o Brasil tem na sua dívida e no déficit, precisam ajustar-se. O próximo governo terá que usar os primeiros seis meses para deixar claro como vai reequilibrar as contas, porque as oscilações da conjuntura internacional podem prejudicar países que vacilarem neste momento. Aqui, os dois candidatos com maior intenção de votos não têm respostas convincentes para o rombo. Jair Bolsonaro diz que chegará ao déficit zero em um ano, mas o candidato não sabe explicar como. O que o economista Paulo Guedes diz não é suficiente para entender minimamente como ele fará esse ajuste. O PT está baseando toda a estratégia na tese de que a volta deles ao poder iniciará um ciclo de crescimento que resolverá o problema.

Em relação ao peso, o dólar já subiu mais de 100% este ano. Contra o real, a alta é de 22%. O acordo com o FMI foi ampliado ontem de US$ 50 bi para US$ 57 bilhões. Os primeiros US$ 15 bi já foram dados e queimados na tentativa de evitar a disparada da moeda. A queda do presidente do BC esta semana, Luis Caputo, se deve ao fato de que ele tentava implantar uma banda cambial, o que teve a discordância do ministro da Economia e do FMI.

A Moody's disse ontem que o total que o FMI dará à Argentina reduz muito a necessidade de captação no mercado internacional até outubro de 2019, quando haverá eleições presidenciais. Segundo a agência, o governo anunciou um plano para acelerar a consolidação fiscal. “No entanto, a recessão e as futuras eleições presidenciais tornarão mais desafiador atingir essa meta”. O apoio que Macri tem no Congresso tem caído.

O Itaú estima que a inflação do país vizinho saltará de 24,8% pra 45% e o PIB deve cair 2,2%. Há quem preveja uma recessão de até 4%. A dívida deve disparar com a alta do dólar. Um dólar valia 18 pesos no final do ano passado e agora está em 40. Ela já está num círculo vicioso e é muito pouco provável que consiga romper. Na campanha, os peronistas vão dizer que a crise foi criada por Macri, e a verdade é que ele a recebeu de herança. Seu erro foi não ter conseguido resolvê-la, por ter decidido ir devagar com o ajuste. Isso é uma lição para o Brasil. O quadro internacional tem piorado, por alguns fatores como a guerra comercial dos EUA contra a China. O melhor é ter um plano claro e firme de ajuste, para ser executado nos primeiros meses da nova administração.

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