- Valor Econômico
Custo total do "trem da alegria" ainda não é conhecido
O governo ainda não sabe quanto vai custar a emenda constitucional 98/2017, que facilitou a incorporação aos quadros de servidores da União de pessoas que tiveram relação ou vínculo empregatício, por no mínimo 90 dias, com o governo federal e com prefeituras localizadas nos ex-territórios do Amapá e de Roraima. A proposta orçamentária para 2019 estima um aumento de R$ 1,5 bilhão na despesa com a reintegração de servidores de ex-territórios, na comparação com a prevista para este ano. Mas não há projeção oficial para esta despesa nos próximos anos.
São milhares de pessoas que estão ingressando no serviço público pela porta dos fundos e tornando-se servidores estáveis, com todas as vantagens e benefícios, sem prestar concurso. O mais impressionante é que a emenda 98/2017 permite que mesmo as pessoas que já estão aposentadas por outros regimes previdenciários, e os pensionistas, possam ser transferidas para o regime previdenciário dos servidores da União, com todas as vantagens e benefícios.
A emenda também ampliou vantagens a servidores do ex-território de Rondônia. O caso traz de volta uma expressão, muito usada em passado não muito distante, para se referir ao ingresso nos quadros da União sem concurso: "trem da alegria".
Até o dia 21 de setembro deste ano, 11.094 pedidos de reintegração aos quadros da União feitos por servidores de ex-territórios tinham sido deferidos pelo governo, de acordo com dados do Ministério do Planejamento. Do total, 7.305 servidores incorporados foram do ex-território de Rondônia, 2.665, do Amapá, e 1.124, de Roraima.
A emenda 98, proposta pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), na época líder do governo no Senado, foi aprovada quando já estava em vigor o chamado teto de gasto para a União. Uma das novidades deste novo regime fiscal, instituído pela emenda constitucional 95/2016, foi estabelecer que toda proposição legislativa, criando ou alterando despesa obrigatória ou renúncia de receita, deveria ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro (artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Contrariando o dispositivo constitucional, os deputados e senadores discutiram e aprovaram a emenda 98 sem saber o seu impacto orçamentário e financeiro, as consequências da medida para as finanças da União. Ou seja, os parlamentares não cumpriram a regra que eles mesmos introduziram na Constituição, quando aprovaram o teto de gastos, que pretendia justamente evitar a criação desenfreada de novas despesas.
Em janeiro deste ano, o presidente Michel Temer editou a medida provisória 817, regulamentando a emenda 98 e outras duas (a 60 e a 79), que dispõem sobre a reintegração de servidores de ex-territórios. Quando a MP estava sendo discutida no Congresso, a nota técnica nº 04/2018, assinada pelo consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral, informou aos parlamentares que não acompanhava a MP qualquer estimativa de seu impacto orçamentária e financeiro. "Não contém ela, de fato, nenhuma informação a respeito", diz a nota.
Assim, observa o consultor, "são violados, desatendidos ou inobservados diversos dispositivos constitucionais e legais". Ele relacionou os dispositivos: o artigo 113 do ADCT, acima informado; os artigos 16, 17 e 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e os artigos 97 e 112 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018. O consultor lembrou ainda a inexistência de prévia autorização na LDO, assim como de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal (no caso, na lei orçamentária de 2018), em desrespeito ao § 1º do art. 169 da Constituição. A nota técnica foi simplesmente desconsiderada pelos parlamentares, que aprovaram a MP 817.
Como as despesas do Orçamento da União estão no limite permitido pela emenda constitucional 95, para acomodar o aumento do gasto com a reintegração de servidores de ex-territórios, o governo está sendo obrigado a cortar outras despesas. Não se sabe onde o corte está sendo feito para acomodar o novo gasto. Provavelmente, nos investimentos públicos.
Outra ação que mostra como funciona o Brasil diz respeito à proposta orçamentária para 2019, encaminhada no dia 31 de agosto passado ao Congresso. Antes do envio da proposta, o presidente Michel Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, fecharam um acordo que prevê trocar o atual auxílio-moradia concedido aos juízes por um aumento de 16,35% em suas remunerações.
Embora o STF tenha decidido propor ao Congresso um aumento de 16,38% no subsídio de seus ministros, a LDO para 2019 não autoriza novos reajustes para servidores. O artigo 169 da Constituição estabelece que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração só pode ser feita se houver autorização específica na LDO.
Mesmo assim, as propostas orçamentárias do STF e do Ministério Público da União (MPU) preveem o reajuste de 16,38% nas remunerações de seus membros. Embora não autorize novos aumentos a servidores, a LDO de 2019 permitiu, no parágrafo 8º do artigo 27, que o Executivo aumente a compensação que dá aos demais poderes para arcar com as despesas decorrentes dos aumentos salariais para os servidores previstos nas leis 13.316/2016 e 13.317/2017.
Os vários órgãos do Judiciário e o MPU utilizaram a prerrogativa da LDO e criaram reservas para bancar o gasto com o aumento de seus servidores. A reserva do Judiciário totaliza R$ 1,052 bilhão. A do MPU, R$ 62,3 milhões, de acordo com as informações complementares à proposta orçamentária enviada pelo governo ao Congresso.
Sem qualquer previsão da LDO, no entanto, o Judiciário criou outra "reserva", no valor de R$ 1,436 bilhão, para, pelo que tudo indica, custear o aumento de 16,38% da remuneração dos juízes, que não está autorizado na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019.
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