Vários governadores prestes a deixar o cargo estarão sujeitos a penas de prisão caso não encontrem solução para o grave problema financeiro que deixarão para seus sucessores. Despesas autorizadas por esses governadores não serão pagas durante seu mandato nem haverá disponibilidade de caixa para honrá-las no ano que vem. Isso configurará violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e crime contra as finanças públicas passível de punição dos responsáveis com até quatro anos de reclusão. Durante todo o mandato de quatro anos, que termina no dia 31 de dezembro, eles não conseguiram equilibrar as finanças estaduais e é pouco provável que consigam, no curto período que lhes resta no cargo, afastar o risco de serem punidos.
Muitos buscam soluções engenhosas para evitar a punição. São manobras contábeis destinadas a apontar a existência de recursos em caixa para a cobertura das despesas autorizadas nos últimos meses. Técnicos do governo federal que acompanham a degradação das finanças de alguns governos estaduais chamam essas manobras de “contabilidade criativa”. Foi a esse tipo de estratagema ilegal que a presidente Dilma Rousseff recorreu de maneira contínua e despudorada, o que acabou levando o Congresso a aprovar seu impeachment em 2016.
Companheiro de antigas atividades clandestinas de Dilma durante a ditadura militar e ministro no governo da presidente afastada, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, propôs uma das mais criativas formas desse tipo de contabilidade danosa para a gestão fiscal e nociva para o contribuinte. Ele quer criar um fundo a ser constituído com recursos a que seu governo alega ter direito no futuro - uma alegação contestável, dada a fragilidade daquilo que é apontado como a fonte do dinheiro -, mas que pode ser utilizado para cobrir despesas do presente e até do passado (já lançadas nos chamados restos a pagar).
Tudo isso é de espantar qualquer cidadão que acompanhe com um mínimo de cuidado as regras que norteiam ou devem nortear a administração dos recursos dos contribuintes colocados sob a gestão do poder público. É como gastar por conta de um dinheiro que não existe, sob a alegação de que ele pode vir a existir no futuro - alegação que, no caso da iniciativa do governador mineiro, é notoriamente frágil, como se verá.
O que Pimentel quer é constituir um fundo extraordinário com recursos a que o governo mineiro alega ter direito como repasse da União a título de ressarcimento por perdas provocadas pela Lei Kandir. Essa lei, como se sabe, se destinou a compensar os Estados exportadores pela isenção do ICMS - principal tributo estadual - dos produtos destinados à exportação. Deveria ter duração limitada, mas seus efeitos foram sendo estendidos ao longo do tempo e sua situação atual é indefinida. A lei aguarda a votação, pelo Congresso, do projeto que regulamenta sua aplicação.
É esse dinheiro, de existência e montante ainda incertos, que o governador de Minas Gerais quer gastar antecipadamente, para não ser acusado de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Seu projeto - já aprovado em primeira votação pela Assembleia Legislativa mineira, onde tramita em regime de urgência - permite que os recursos do fundo extraordinário sejam utilizados exclusivamente para pagamento de despesas inscritas em restos a pagar, dos exercícios de 2018 e anteriores, mesmo que o dinheiro só entre no Tesouro estadual num futuro ainda incerto - se entrar. O governo de Minas alega ter direito a receber mais de R$ 135 bilhões do governo federal, a título de compensação pela Lei Kandir. É um valor próximo ao déficit primário da União previsto para este ano.
A Lei n.º 10.028, de 19 de outubro de 2000, prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem autorizar, nos últimos oito meses do mandato, despesa que não possa ser paga no mesmo exercício ou que deixe parcela para o exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa. Até hoje, ninguém foi criminalmente responsabilizado por práticas desse tipo. Parece ser o momento de começar a aplicar a lei.
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