sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Flávia Oliveira: Olha o foco, ministro

- O Globo

O governo empossado no alvorecer de 2019 é a encarnação de uma escolha política com que o Brasil vinha flertando fazia tempo. O país mergulhou num projeto político liberal na economia e ultraconservador nos costumes. E os primeiros dias de mandato de Jair Bolsonaro não deixam dúvidas, seja na repetição dos bordões da corrida eleitoral (a começar pelo presidente da República), seja nas medidas já publicadas no Diário Oficial. Tome banimento do politicamente correto, do respeito às minorias, da cor azul para meninas e do rosa para meninos. Dá-lhe moral religiosa no Estado laico.

A Paulo Guedes, designado superministro da Economia, coube possivelmente um dos textos mais compreensíveis da nova administração. Pragmático, indicou no discurso de posse sua trindade: reforma da Previdência, privatização e simplificação tributária. Se algo falhar na prioridade número um, o Legislativo haverá de arcar com a responsabilidade de fazer escolhas orçamentárias sem comprometer o teto de gastos, pedra fundamental da doutrina que o economista forjado na Universidade de Chicago quer opor, em suas palavras, a quatro décadas de quadro fiscal corrompido.

O ministro acertou no diagnóstico sobre a barafunda de benesses em que o Estado brasileiro está assentado. Judiciário e Legislativo são mesmo privilegiados em remuneração, benefícios e aposentadorias. Há um corporativismo bem organizado e, seguidamente, preservado de mudanças —exemplo foram os militares, sequer contemplados na reforma previdenciária do ex-presidente Michel Temer. O crédito estatal, sublinhou, atendeu aos gigantes do PIB, mas deixou à míngua médias empresas e microempreendedores necessitados de recursos. É tudo verdade.

Para dar fim a esse ambiente, Guedes acenou com um conjunto de medidas para reduzir a burocracia, diminuir o tamanho do Estado, dar eficiência à administração pública, desconcentrar o sistema de empréstimos. A Caixa, anunciou, vai se dedicar ao microcrédito. Jovens, completou, se livrarão das amarras de uma CLT inspirada na italiana Carta del Lavoro, considerada fascista. Citou o contingente de trabalhadores brasileiros confinados em postos precários, mal remunerados e de baixa produtividade —são informais 40,8% dos ocupados, segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2018 do IBGE.

Faltou lembrar que uma sociedade desigual como a brasileira não reduzirá o abismo entre abastados e excluídos somente com um pacote de medidas universais. As reformas de Guedes não prescindem de uma dose de sensibilidade social para mudar a vida dos que mais precisam. Serão necessárias políticas orientadas. Objetivamente? Foco.

Se está preocupado com a juventude sem perspectiva, o ministro precisa ter em mente que 52,5% dos rapazes brasileiros de 18 a 29 anos sem ensino médio completo estão fora da escola porque trabalham ou buscam ocupação. Não se qualificaram por necessidades familiares e acabaram fora do mercado de trabalho ou em funções precárias. Quase metade (46,2%) das moças da mesma faixa não estudam porque engravidaram, têm problemas de saúde ou assumiram afazeres domésticos e cuidados com crianças ou idosos. Desistiram por não encontrarem ambiente acolhedor nas instituições de ensino ou falta de creche para os rebentos. Apenas uma em três crianças de zero a 3 está matriculada.

O resumo é que há deficiências nas políticas de educação e saúde capazes de travar o desenvolvimento econômico. E tanto a asfixia do corte de gastos quanto a agenda conservadora e moralista na área social podem pôr em risco a desejada autonomia da juventude. Da mesma forma, não é possível combater a exclusão ignorando os debates de gênero e étnico-racial, como faz o presidente Bolsonaro. São mulheres e negros — sobretudo, mulheres negras — a maioria dos desocupados, dos subocupados por insuficiência de horas, dos empregados sem carteira assinada, dos conta própria. Desburocratização, qualificação, acesso a crédito e a mercados precisam alcançar esses grupos. Ou a guinada liberal de Paulo Guedes resultará em porções maiores da mazela que aprisiona o país desde sempre, a desigualdade.

Um comentário:

marcos disse...

Na News ela sempre foi ptralha, a ponto de agredir Gabeira...MAM