Por Mariana Muniz e Luisa Martins | Valor Econômico
BRASÍLIA - Os recentes debates em torno da atuação do ex-juiz Sergio Moro (hoje ministro da Justiça) na condução dos processos da Operação Lava-Jato, após a revelação de mensagens dele a integrantes da Força-Tarefa, pelo site "The Intercept Brasil", deram fôlego a uma proposta que está desde 2010 parada no Congresso Nacional: a criação da figura do "juiz de garantias" no Código de Processo Penal (CPP).
O juiz de garantias é um magistrado de primeira instância responsável pela instrução de um processo criminal. Cabe a ele deflagrar prisões preventivas, ordenar buscas e apreensões e determinar quebras de sigilo. No entanto, se o caso der origem a uma ação penal, a sentença de absolvição ou condenação seria dada por outro juiz.
Trata-se de um instrumento que, na visão de juristas consultados pelo Valor, reduz os riscos de uma eventual parcialidade por parte do juiz. Hoje, pela legislação brasileira, o magistrado que atua na etapa de instrução é o mesmo que faz o juízo final do processo na primeira instância.
A alteração que implementa o juiz de garantias foi aprovada no Senado há quase nove anos. De autoria do senador e ex-presidente José Sarney (MDB-AP), o projeto de lei seguiu para a Câmara dos Deputados, mas a tramitação voltou à estaca zero em 2019. Em março, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma nova comissão especial para analisar o tema. As lideranças dos partidos já designaram 19 dos 34 membros previstos para o colegiado e há expectativa que, diante das mensagens que vêm sendo divulgadas pelo "The Intercept Brasil", a composição se complete nas próximas semanas.
A proposta conta com o apoio de juristas e também encontra respaldo no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo um ministro da Corte ouvido reservadamente pelo Valor. Segundo ele, o assunto é tema recorrente de conversas nos bastidores do STF.
Quem não gosta da ideia é o próprio Sergio Moro. Em depoimento à antiga comissão especial que analisava o projeto de lei, em 2017, ele disse que a inovação não garante a imparcialidade do juiz. Além disso, ponderou que seria custoso colocar a medida em prática, já que seriam necessários dois juízes em cada comarca do país.
O juiz de garantias existe em outros países do mundo, como Itália, México e Chile. No Brasil, apenas um tribunal adota procedimento semelhante. Conforme resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) do Fórum Criminal da Barra Funda tem magistrados responsáveis pelas medidas cautelares do processo investigatório. Depois disso, se houver a abertura de uma ação penal, esta é encaminhada a uma vara criminal, para que outro juiz analise o processo.
O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedor Nacional de Justiça Gilson Dipp é um dos defensores do instituto. Para ele, sem a separação dos juízes, é inevitável que o magistrado fique "contaminado, vulnerável". "Se ele defere, é porque acredita que tem que deferir. Esse juiz fica de certa forma envolvido pelas provas obtidas. E esse envolvimento pode gerar a ele, mesmo que inconscientemente, um juízo prévio de condenação", afirma.
Ontem, Moro ficou mais uma vez exposto pela divulgação de novos diálogos seus, desta vez publicados pelo jornal "Folha de S. Paulo", em parceria com o Intercept. A matéria mostra uma articulação entre o então juiz e os procuradores para evitar que a investigasse fosse retirada da primeira instância em função de envolver pessoas com direito a foro especial. Em nota, Moro não confirmou a autenticidade das mensagens. (colaborou Carla Araújo, de Brasília)
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