Christopher Garman e Rosangela Batista Cavalcanti*/ O Estado de S.Paulo
A grande pergunta é: como ficarão a governabilidade e a agenda de reformas com um governo que dificilmente terá maioria no Congresso?
Boa parte da cobertura política do governo do presidente Jair Bolsonaro tem focado na questão de como, e quando, ele poderá construir uma base de apoio no Congresso. Mas está ficando cada vez mais claro que esse dia nunca chegará.
O presidente foi eleito com um discurso de campanha contra a classe política e o chamado “toma lá, dá cá”. Ele compôs uma equipe ministerial sem consultar lideranças partidárias e negociações abertas pelo Palácio do Planalto para indicações políticas nos segundo e terceiro escalões nunca prosperaram. Bolsonaro reluta em abrir espaço para indicações políticas para evitar o custo de ser visto como traidor de sua promessa de não ceder à “velha política”. De forma igualmente importante, ele já demonstrou que tende a recorrer à retórica contra a classe política sempre que entra em dificuldades. Adicione-se a queda dos índices de aprovação do presidente nesse início de mandato e fica fácil apostar que Bolsonaro jamais construirá uma base aliada majoritária.
A grande pergunta para o restante do mandato do presidente, portanto, é a seguinte: como ficarão a governabilidade e a agenda de reformas com um governo que dificilmente terá maioria no Congresso? Duas respostas, com narrativas diferentes, em geral, são dadas a essa pergunta, e ambas, acreditamos, estão erradas.
A primeira, e mais pessimista, se baseia no conceito de presidencialismo de coalizão. De acordo com esse raciocínio, em um sistema presidencialista multipartidário como o brasileiro, presidentes precisam construir uma base parlamentar por meio do compartilhamento do poder. Se ignorarem essa lógica, teremos paralisia de reformas e/ou crise política. Os governos de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff servem como exemplos do que pode ocorrer.
Esse conceito não consegue explicar, porém, como o Congresso está prestes a aprovar uma reforma da Previdência e já aprovou medidas como cadastro positivo, abertura do setor aéreo a linhas aéreas estrangeiras e medidas provisórias de interesse do governo que estavam prestes a expirar. O modelo de presidencialismo de coalizão peca por presumir que, num governo sem maioria, o interesse do Legislador é provocar uma crise, e não aprovar reformas.
Existem referências internacionais para explicar por que não estamos vendo isso no Brasil. Quase 35% dos governos parlamentaristas pós-Segunda Guerra Mundial na Europa eram governos minoritários – sem maiorias no Parlamento. A literatura em ciência política mostra que há condições para reformas serem aprovadas e governos sem crise mesmo sendo minoritários. O interesse do Parlamento, ao não participar de um governo, nem sempre é gerar crise e paralisia.
Uma narrativa alternativa, que tem encontrado mais adeptos recentemente, vai ao outro extremo: afirma que o protagonismo das reformas caberá às lideranças de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados e de Davi Alcolumbre no Senado, que estão coordenando uma agenda positiva no Congresso. Será que estamos perante um parlamentarismo branco?
Essa narrativa peca por não entender o poder de Maia e Alcolumbre. Eles não lideram uma coalizão tradicional porque não têm instrumentos para manter lealdade nas votações. Eles não têm cargos para distribuir nem têm um projeto eleitoral de poder para aglutinar uma base. O real poder deles provém da coordenação das preferências das lideranças no Congresso. Controlam a pauta na Câmara e no Senado, mas, se os desejos das maiorias da Casas não estiverem alinhados, eles não têm como costurar uma votação.
Nessas circunstâncias, o essencial, portanto, é entender os incentivos e as preferências dos legisladores em um governo presidencialista minoritário. Com relação à reforma da Previdência, o grande motivador do voto está sendo o medo: todos querem evitar uma crise econômica maior, que certamente virá sem a aprovação de uma reforma. A fúria do eleitor contra a classe política é o grande pano de fundo das decisões do Congresso. E o temor de uma crise econômica vem aumentando em Brasília, com os sinais de uma economia que não cresce. A reforma da Previdência deve ser aprovada porque o Congresso reconhece que todos perderão sem sua aprovação.
Mas e depois de aprovar a Previdência? Esse medo deverá diminuir. A partir daí, as preferências no Congresso talvez não fiquem tão alinhadas a favor de uma agenda reformista. O atual Parlamento é muito mais sensível à opinião pública do que a última legislatura e, portanto, mais sensível também à frustração do eleitor com a precariedade dos serviços públicos em áreas como segurança pública, saúde e educação. Em alguns casos, isso deverá se traduzir em projetos de mais gastos. Em outros casos, deverá haver avanço em reformas que estimulam investimentos privados.
Reformas que venham a reduzir o poder do Executivo, como a PEC do Orçamento Impositivo, também devem prosperar. Se o Executivo não está disposto a compartilhar o poder, o jogo do Congresso será transferir para si maior influência sobre as políticas públicas. Num presidencialismo sem coalizão, o mais provável é, portanto, um cenário misto para a agenda de reformas, e talvez um Executivo que saia mais fraco do ponto de vista institucional. Está bem claro, porém, que, daqui para a frente, o crucial será entender melhor as motivações dos congressistas que não mais condicionarão seus votos ao recebimento de benesses do Executivo.
*Diretor executivo do Eurasia group e cientista política
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