segunda-feira, 24 de junho de 2019

Cida Damasco: Reforma e o que mais?

- O Estado de S.Paulo

Há inconformismo comas soluções de sempre para a crise. É um bom começo

Primeiro se dizia que bastava trocar o governo para trazer de volta a confiança, os investimentos e, por tabela, o crescimento. Depois a tese foi adaptada às circunstâncias e a garantia da retomada passou a ser exclusividade da reforma da Previdência. Agora, finalmente, parece que até os reformistas mais radicais começam a cair na real e a palavra de ordem virou “é preciso ir além da Previdência”. Não se trata de uma insinuação de que essa reforma é dispensável. Ao contrário. Qualquer avaliação do quadro atual das finanças públicas e qualquer projeção, diante do envelhecimento da população, comprovam que a situação é insustentável e caminha para o colapso. Mas há uma convergência em torno da ideia de que a Previdência, sozinha, não conseguirá repor a economia nos trilhos do crescimento.

Por isso mesmo, o debate volta-se para o que mais é preciso fazer – e num prazo razoável – para romper a estagnação. Uma coisa é certa: o País tem pressa de que essas discussões cheguem à prática. A economia brasileira atravessou quase três anos de recessão e, nos dois e meio seguintes, não conseguiu recuperar o fôlego, o que se traduz em mais de 13 milhões de desempregados, um quarto deles procurando colocação há pelo menos dois anos, e mesmo empregados com renda ladeira abaixo.

Dá para destacar pelo menos três pontos que estão em discussão no momento, exatamente para assegurar algum impulso à atividade econômica. O primeiro é uma nova rodada de corte dos juros – embora com a ressalva de que seu efeito será limitado e só deverá aparecer lá pelo ano que vem. Na última reunião do Copom, o Banco Central (BC) optou pelo conservadorismo e manteve a taxa básica em 6,5% pela décima vez consecutiva, frustrando quem contava com um corte para “ontem”. Mas os mercados já projetam um cenário de redução da Selic nos próximos encontros do Copom e começam a se mover nessa direção.

Se até pouco tempo atrás a defesa de uma queda do juro básico era exceção, agora essa posição começa a se ampliar. Em entrevista ao Estado, o ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, por exemplo, considerou um erro a decisão do Copom, que atrelou a redução da taxa à aprovação da reforma da Previdência. Para ele, o foco do Copom deve ser a expectativa da inflação e não da tramitação da reforma.

O segundo ponto refere-se à aplicação de incentivos específicos ao consumo. O ministro Paulo Guedes não cansa de anunciar estudos para liberação das contas ativas e inativas do FGTS e do PIS-Pasep, repetindo o que fez o governo Temer. Mas até agora essas medidas não saíram do terreno das intenções. Para a economista Monica de Bolle, o momento requer mais ousadia. Por isso, ela propõe o uso de reservas internacionais para abater a dívida, abrindo espaço para outros gastos, principalmente sociais. O estoque atual de reservas chega a US$ 380 bilhões e, nos cálculos do FMI, R$ 140 bilhões seriam reservas excedentes.

O terceiro ponto é a retomada dos investimentos públicos. No Brasil desses tempos, falar em investimento público virou quase uma heresia. Como apoiar essa alternativa, com os orçamentos engolidos pelos gastos de pessoal e previdenciários, a ponto de forçar o governo a pedir um “cheque especial” ao Congresso? O BNDES representaria uma das únicas fontes de recursos públicos para alavancar investimentos. Mas nem com isso dá para contar. O governo continua fixado na abertura da chamada “caixa preta” do banco e há quem desconfie de que sua real intenção é esvaziar e não reaparelhar a instituição. Além do mais, a ideia em exame no Congresso de redirecionar dinheiro do PIS-Pasep, do BNDES para a Previdência, tem potencial de acelerar ainda mais esse processo.

O economista André Lara Resende é uma das vozes mais ativas nesse debate, ainda que, por enquanto, suas ideias instigantes tenham despertado mais críticas do que adesões. Para horror de muitos analistas, Lara Resende defende deixar de lado, por uns tempos, o equilíbrio das contas, aceitar algum aumento de endividamento e, com essa folga, destravar os investimentos. Como se pode ver, estamos muito longe de uma receita pronta e acabada para arrancar a economia do atoleiro. Mas pelo menos já se manifesta um inconformismo com as soluções de sempre. É um bom começo.

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