- Folha de S. Paulo
Cada religião deve ser livre para determinar seus requisitos para o sacerdócio
Como ateu de terceira geração, não tenho simpatia por nenhuma religião. Todas elas me parecem uma tentativa meio infantil de convencer-se de que a vida tem um sentido transcendente. Não tem.
Não espero, porém, que todos concordem comigo. Só mencionei meu histórico religioso para mostrar que minhas convicções anticlericais são democráticas, o que me permite dizer que percebo na “intelligentsia” certo preconceito antievangélico, em especial contra a Igreja Universal.
É provável que as lideranças de alguns desses grupos sejam mais picaretas que a média das denominações neopentecostais, que seja mais picareta que a das religiões tradicionais. Esse, contudo, é um juízo sociológico, que não deveria autorizar diferenças no tratamento que o poder público dispensa a cada fé.
Nesse contexto, parece-me complicado equiparar o sacerdócio a um emprego regular e aplicar-lhe as regras do direito do trabalho, como oJudiciário fez com a Universal, tendo-a condenado por induzir pastores a fazerem vasectomia.
Cada religião deve poder determinar livremente seus requisitos para o sacerdócio. Se não for assim, teríamos de examinar se o veto da Igreja Católica ao sacerdócio feminino não viola regras contra a discriminação de gênero, se as mesquitas estão observando corretamente a cota legal de deficientes entre clérigos e até mesmo se as sinagogas não estão descumprindo a Lei Antirracismo, ao bloquear a contratação de rabinos não judeus.
Se há uma esfera em que lógica e razoabilidade não se aplicam, é a da religião. Numa tradição, quem receber uma transfusão de sangue estará irremediavelmente condenado a arder no inferno.
Em outra, é terminantemente proibido misturar carne com leite. Numa terceira, amealhar toneladas de dinheiro é marca insofismável da graça divina. Não cabe ao Estado democrático se meter nessas questões, que são indecidíveis, mas apenas assegurar a plena liberdade religiosa.
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