quarta-feira, 12 de junho de 2019

Míriam Leitão: O nó fiscal de cada dia

- O Globo

Emergência fiscal de ontem foi resolvida com a aprovação do crédito extra, mas o governo está perdendo partes da reforma

A reforma da Previdência já perdeu pedaços, mas ainda é considerado um projeto “robusto”. Com mudanças no BPC, aposentadoria rural e regras de transição mais generosas, o texto pode perder R$ 300 bilhões da economia imaginada. Mas as alterações têm efeitos diferentes. O item do BPC prejudicava o mais pobre, portanto derrubá-lo melhora o projeto, mas quem vai ser beneficiado por regras de transição no setor público já tem vantagens. E novos nacos podem ser tirados da reforma até a aprovação.

Outra batalha do governo ontem foi para aprovar o crédito suplementar. Esse assunto era a grande preocupação no início da semana em Brasília porque daria um nó real na liberação de despesas importantes e inadiáveis. A equipe econômica teve que negociar uma compensação. A exigência foi que se aprovaria o crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões com a condição de liberação de recursos para o Minha Casa, Minha Vida e para a transposição do Rio São Francisco. E isso tem um problema.

— A autorização de despesa de R$ 248 bilhões que precisamos já está na programação orçamentária e financeira e no déficit projetado de R$ 139 bilhões. Essa aprovação não aumenta em um centavo o recurso disponível para qualquer despesa. Se tiver que dar dinheiro para o Minha Casa, Minha Vida e para obras no Rio São Francisco, terá que cortar em outras despesas — disse um economista do governo.

No meio do dia, a negociação na Comissão Mista de Orçamento foi suspensa para se combinar uma saída que garantisse a aprovação. A promessa foi desbloquear R$ 1 bilhão para a educação e garantir recursos para as obras desses dois projetos. Terá que haver cortes em outras áreas. Os parlamentares entenderam que o governo estava ganhando mais dinheiro, mas no Orçamento feito ano passado já se contava com esse crédito suplementar. Não aprová-lo ou reduzir o valor obrigaria a votar mudanças na lei orçamentária. O governo cedeu porque temia a consequência de interromper despesas sociais. O que me foi explicado no Planalto é que não adianta dizer que isso foi feito pela administração anterior.

— Na hora em que o dinheiro não chegar o povo vai culpar o governo — explica a fonte.

A situação é de tanta escassez que se cogita até dar um duplo destino para o mesmo dinheiro. A liberação de contas do PIS/ Pasep foi pensada para ser, como na administração anterior, um estímulo ao consumo. O cálculo é que há R$ 21 bilhões retidos. O efeito é pequeno. Mas o interesse maior da equipe é na segunda parte do projeto: o que não for sacado em três ou quatro meses entraria como receita primária do governo, reduzindo o contingenciamento.

O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira, tem garantido à equipe econômica que quer manter a integridade do projeto. Mas, pressionado pelos parlamentares de diversos partidos, já fez alterações em alguns pontos da reforma.

— A nossa maior preocupação é a mudança nas regras de transição. Se for igual para os dois regimes o impacto é grande. Se for só para servidores públicos estará privilegiando os já privilegiados — disse um integrante da equipe.

Quem entrou no setor público antes de 2003, portanto antes da reforma feita pelo ex-presidente Lula, tem a vantagem da integralidade e da paridade. Essas duas palavras custam caro. O servidor se aposenta com o último salário, e não com uma média dos salários como outros funcionários. Além disso, tem o direito aos reajustes dados ao pessoal da ativa. O projeto tentou reduzir as vantagens impondo uma regra de transição e a idade mínima para ter o benefício. Mas agora o relator estuda duas opções. Uma é manter a idade mínima, mas com regras mais suaves. Isso reduziria o ganho da reforma em R$ 100 bilhões. A outra é o servidor pagar apenas um pedágio, mas sem uma idade mínima. Neste caso, a redução será de R$ 160 bi.

O abono salarial, que no projeto seria limitado a quem ganha um salário mínimo, será ampliado para quem recebe até 1,4 salário. Isso diminui o ganho em R$ 80 bilhões. O BPC cairá, com um impacto de R$ 38 bi em dez anos. A aposentadoria rural manterá a regra de cinco anos a menos do que no setor urbano. Isso diminui o ganho em outros 40 bilhões. E tem ainda a dúvida sobre a manutenção dos estados e municípios. O relator disse ontem publicamente que eles ficam. Mas já acenou com novas concessões para as mulheres. De naco em naco, o Congresso pode melhorar o projeto ou torná-lo menos consistente do ponto de vista fiscal.

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