Após cinco meses de relações tempestuosas do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso, deputados e senadores resolveram seguir seu rumo e votar os projetos do governo de acordo com suas convicções. Em geral, essa é uma história que não acaba bem, pois no Brasil é o Executivo que organiza a agenda do interesse nacional e influencia o Congresso para aprová-la. No momento, porém, com exceção de boa parte da agenda econômica, não há qualquer garantia de que as ideias que partem do Executivo sejam melhores do que as das lideranças do Congresso - em alguns casos, são francamente piores. O Congresso até agora, mesmo negaceando, tem chancelado medidas importantes.
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, defendem a abertura de espaço legislativo para as reformas econômicas. Maia, com mais ênfase, vê o "colapso social" sem elas. Alcolumbre mantém independência em relação ao Planalto. Se não forem fustigados por Bolsonaro, que tem a mania de espicaçar potenciais aliados, podem até melhorar um pouco a péssima imagem do Congresso, um dos motivos que ainda garantem a popularidade do presidente.
Maia não têm apreço pela agenda de costumes que anima os bolsonaristas mais radicais. Senado e Câmara já viram inconstitucionalidades no decreto que facilita a compra e o uso de armas e o inacreditável projeto de mudanças do Código Nacional de Trânsito, levado ao Congresso pelo próprio presidente. Farão um bem ao país se corrigirem os excessos do governo nas duas questões. Alcolumbre, no Senado, teve papel importante para barrar a tentativa da bancada ruralista da Câmara de modificar o Código Florestal a seu favor, e evitou pôr em votação a MP que continha o contrabando, deixando-a caducar.
Acolher a pauta econômica diante de uma economia em frangalhos é a coisa certa a fazer, embora a agenda do governo esteja incompleta. Apesar de deixarem para a última hora, por descontentamento em relação às atitudes hostis de Bolsonaro, o Congresso aprovou a MP que aperfeiçoa o combate a fraudes na concessão de aposentadoria a trabalhadores rurais e de outros benefícios. O governo estima que reduzirá gastos de R$ 9,8 bilhões com as providências.
O Senado, por seu lado, corrigiu e aprovou um projeto que fortalece as agências reguladoras. Na Câmara, abriu-se a brecha de indicação de políticos e parentes, fechada pelos senadores, Os diretores terão 5 anos de mandato, não poderão ser reconduzidos e as instituições terão autonomia orçamentária, princípios corretos que enfrentarão o teste da realidade a partir de agora.
Apesar das trombadas com o Planalto e o atraso deliberado do início da tramitação, a reforma da previdência chegou à reta final, embora não se tenha certeza de que o governo conseguirá economizar o R$ 1 trilhão em uma década como pretende. E, ainda que os deputados estejam se vingando com postergações, o governo deve obter à vista ou em prestações os R$ 248,9 bilhões em crédito suplementar para cumprir a regra de ouro. Sem essa aprovação, o país ou vai para o "abismo fiscal" (Paulo Guedes) ou Bolsonaro corre o risco de cometer crime de improbidade. Os legisladores sabem disso. Além disso, a Comissão de Constituição e Justiça deu sinal verde a um projeto de reforma tributária, a segunda na fila das prioridades.
O saldo, apesar do tumulto, é positivo, apesar de contrapontos "corporativistas". A aprovação do orçamento impositivo para emendas de bancadas estaduais dificulta ainda mais a já difícil gestão de um orçamento muito apertado. Deputados e senadores votaram - e o presidente Jair Bolsonaro sancionou - a anistia a partidos políticos que descumpriram a fatia reservada a candidaturas femininas nos últimos pleitos.
Risco maior é de o Senado deslanchar nova reforma política, com ideias que perpetuam um nefasto sistema de representação. Na reforma anterior, aprovada em 2017, além da saneadora cláusula de barreira, que atingiu 14 partidos, foi dado um passo essencial para fortalecer os partidos e eliminar uma das maiores distorções do sistema eleitoral, as coligações em eleições proporcionais. Há quem deseje voltar atrás, abrindo brechas nesta proibição que nem chegou a ser posta em prática ainda.
São os órfãos de uma base governista que tem garantido a aprovação de projetos importantes para o país. A oposição, sem propostas e sem força, aposta apenas na obstrução.
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