- O Globo
Dinheiro nem sempre é solução para os problemas de uma pessoa, de uma família ou de uma comunidade. Claro que ajuda, mas precisa ser bem administrado porque pode também atrapalhar. O caso do dinheiro esparramado pela Vale em Brumadinho, em razão da tragédia da barragem do Córrego do Feijão, ajuda indivíduos, mas parece estar atrapalhando a cidade. Desde janeiro, os moradores do município estão recebendo até um salário mínimo de indenização. Também recebem a ajuda mensal pessoas que tinham casa a até um quilômetro da calha do Rio Paraopeba, de Brumadinho até a cidade de Pompéu. A Vale assina 99.835 cheques a cada mês.
O derrame de dinheiro, que alcança a todos, mesmo os que não foram atingidos diretamente pela tragédia, é absolutamente justo. Eles estão sendo reparados imediatamente, sem qualquer impacto sobre decisões da Justiça mais adiante, porque além das perdas humanas e materiais evidentes, houve uma desvalorização geral dos imóveis na localidade. A Vale não faz mais do que sua obrigação. Ocorre que dinheirama igual jamais foi vista nos bolsos dos brumadinenses. Todos ficaram “ricos” de uma hora para outra.
Esta “riqueza” etérea, que tem data para acabar, dezembro deste ano, desarrumou a economia local. Trabalhadores sem vínculo empregatício, que fazem empreitadas, foram os primeiros a entrar em férias voluntárias. Em seguida, empregados domésticos entenderam ser mais interessante ficar em casa do que trabalhar. Em menor número, empregados do comércio de Brumadinho também começaram a faltar ao trabalho ou a abandoná-lo simplesmente.
Até mesmo o Instituto Inhotim, uma espécie de museu a céu aberto que exibe o mais importante acervo de esculturas e instalações artísticas do Brasil, sofre com a avalanche de dinheiro das indenizações da Vale. O programa primeiro emprego, criado para abrigar jovens da cidade que trabalham sobretudo como guias e monitores, está ameaçado. Os meninos, que também recebem as indenizações da Vale, já começam a faltar ao trabalho.
As indenizações são de um salário mínimo para adultos, meio salário para adolescentes e um quarto de salário para crianças. Há famílias de cinco, seis membros que recebem até quatro salários mínimos por mês. Em escala municipal, o efeito das indenizações é semelhante ao gerado pelo Bolsa Família em pequenas cidades brasileiras, sobretudo no Nordeste. Algumas pessoas beneficiadas deixam de procurar emprego, outras param de trabalhar para receber a bolsa.
A Vale já se deu conta desse resultado deletério em Brumadinho e está convidando o Banco do Brasil, a Caixa e alguns bancos privados a oferecerem aos beneficiados uma “educação financeira” emergencial. As pessoas deveriam usar esse dinheiro para fazer uma poupança, pagar um curso profissionalizante, reformar a casa, nunca para abandonar o emprego ou largar o trabalho, diz um funcionário da Vale.
A universalização do benefício também mostra algumas contradições. Tecnicamente, até o prefeito de Brumadinho e seus familiares têm direito a receber a indenização. O Retiro das Pedras, um dos mais antigos condomínios de classe média alta nos arredores de Belo Horizonte fica em Brumadinho. São 600 casas de alto padrão, quase todas ocupadas apenas nos fins de semanas por pessoas que moram e trabalham na capital mineira. Os donos dessas casas e seus filhos estão aptos a receber a indenização. Alguns, não muitos, recusaram o benefício.
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