No extenso rol das competências privativas do presidente da República, como dispõe o artigo 84 da Constituição, consta, no inciso XIV, “nomear, após a aprovação pelo Senado Federal, os ministros do Supremo Tribunal Federal” (STF). A indicação para a Corte é quase uma livre escolha do chefe do Poder Executivo. Só não o é porque a própria Lei Maior estabelece, no artigo 101, os pré-requisitos para a ascensão ao topo do Poder Judiciário: os indicados devem ser cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notório saber jurídico e reputação ilibada.
No curso de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro terá oportunidade de indicar dois nomes para o STF. O primeiro, para ocupar a vaga a ser aberta pela aposentadoria do ministro Celso de Mello no ano que vem. O segundo, para substituir o ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentará em 2021. Pela primeira vez em público, durante um culto religioso celebrado pela Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro afirmou que para uma dessas vagas pretende indicar um nome “terrivelmente evangélico”. Não se sabe exatamente o que o presidente vê de bom nessa estranha qualificação, mas isso não vem ao caso.
“Reafirmo o meu compromisso aqui. O Estado é laico, mas nós somos cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os Poderes. Por isso o meu compromisso. Poderei indicar dois nomes para o STF. Um deles será terrivelmente evangélico”, afirmou o presidente aos deputados.
Embora a Constituição defina os pré-requisitos para que um cidadão tome assento nos Tribunais Superiores, não há o que impeça que o presidente da República, em seu íntimo, leve em consideração outros fatores como melhor lhe aprouver, entre os quais a fé religiosa do possível indicado – ou mesmo a ausência desta –, desde que a Lei Maior seja respeitada. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro, em sua fala, dá mostras de que será a afiliação religiosa o primeiro e mais importante critério que adotará para indicar um nome para o STF, e não os que vão dispostos na Constituição que ele jurou respeitar.
Prova disso é a construção “o Estado é laico, mas somos cristãos”. O uso da conjunção adversativa dá a entender que o Estado pode até ser laico, mas como a fé cristã pretende ser uma das marcas do atual governo, a laicidade do Estado pode, eventualmente, estar submetida aos valores da fé professada pelo chefe do Executivo. Não pode. A laicidade deve, sim, prevalecer.
Em maio, na Convenção Nacional das Assembleias de Deus, em Goiânia, o presidente já havia sinalizado de que pretendia indicar um evangélico para o STF ao fazer duras críticas a recentes julgamentos da Corte. “Não me venha a imprensa dizer que eu quero misturar Justiça com religião. Todos nós temos uma fé ou não temos. Respeitamos e tem de respeitar. Mas não está na hora de termos um ministro evangélico no STF?”, perguntou o presidente.
Estar ou não estar na hora de haver um ministro evangélico no STF é uma definição exclusiva do presidente da República. Os ministros do STF podem professar a fé que desejarem ou não ter fé alguma. Como qualquer cidadão, juízes podem buscar nas múltiplas denominações religiosas o conforto espiritual para lidar com as questões da existência. Assim como outros podem preferir encontrá-lo nas artes e na filosofia. O que se espera de um ministro do STF, alguém em cujas mãos está o destino de cidadãos, de empresas, do País, é que, antes de tudo, seja um juiz “terrivelmente” aferrado à Constituição, seja qual for o seu credo.
Está clara a convicção do presidente Jair Bolsonaro de que a religião, de fato, será o fator preponderante para a escolha do próximo indicado para a Corte Suprema. Ao Senado caberá aferir, por meio da sabatina, se o escolhido detém os pré-requisitos determinados pela Carta Magna. Caberá ao ministro escolhido, uma vez investido no cargo, pautar seus julgamentos pelas leis e pela Constituição, deixando-se guiar pela fé apenas na esfera privada.
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