- O Globo
A procuradora Eugenia Gonzaga e o físico Ricardo Galvão perderam cargos públicos nos últimos dias. Os dois foram demitidos por não se dobrar ao Planalto
Ela é procuradora regional da República e mestre em direito constitucional. Tornou-se referência nas áreas de direitos humanos e Justiça de transição. Ele é físico e engenheiro de telecomunicações. Fez doutorado no MIT, construiu um reator de fusão nuclear e ganhou prêmios internacionais de ciência.
Eugenia Gonzaga e Ricardo Galvão poderiam enriquecer no setor privado, mas escolheram se dedicar ao serviço público. Nos últimos dias, os dois foram punidos por exercer suas funções com honradez.
A procuradora foi afastada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da qual era presidente. Soube da exoneração pela imprensa, na manhã de quinta-feira. O governo não se dignou a avisá-la antes de publicar seu nome no Diário Oficial.
O físico foi demitido da direção do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Na sexta-feira, ele se apresentou em Brasília e ouviu que sua situação tinha ficado “complexa”. Foi forçado a deixar o cargo, apesar de ainda ter um ano e meio de mandato a cumprir.
A comissão dos desaparecidos foi criada em 1995, no governo FH. Deve-se a ela o reconhecimento de 479 vítimas da ditadura militar. O trabalho é complexo e permanente. No ano passado, foram identificadas mais duas ossadas da vala de Perus, que era usada pelos órgãos de repressão para ocultar cadáveres.
Há seis dias, Jair Bolsonaro espalhou uma falsa versão sobre a morte do estudante Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da OAB. A procuradora Eugenia contestou a declaração com documentos oficiais. O presidente não gostou de ser desmentido e mandou afastá-la do cargo.
A fritura do professor Galvão foi mais demorada. No último dia 19, Bolsonaro disse que os dados do Inpe sobre o desmatamento da Amazônia eram “mentirosos”. Ainda levantou suspeita sobre o diretor, que estaria “a serviço de alguma ONG”.
O físico saiu em defesa dos técnicos e da própria biografia. “Nunca tive relacionamento com nenhuma ONG, nunca fui pago por fora, nunca recebi nada além do meu salário”, afirmou. Ele acrescentou que o presidente havia ofendido cientistas de forma “covarde”, como se estivesse numa conversa de botequim. Durou mais duas semanas no cargo.
As demissões repetem um padrão seguido desde o início do governo. Bolsonaro não admite contestação, e intervém em órgãos de Estado para impor suas versões aos fatos. Quem trabalha com independência assume o risco de ser perseguido ou afastado.
A regra ficou clara no período de transição, quando a professora Maria Inês Fini reagiu a uma ameaça de interferência no Enem. “Não é o governo que manda na prova”, ela informou. A frase lhe custou a chefiado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o Inep. Seu substituto, Marcus Vinicius Rodrigues, assumiu com uma declaração de subserviência. “O dono do Enem é o nosso presidente Bolsonaro”, disse.
Na quinta-feira, o Planalto nomeou defensores da ditadura para a comissão de desaparecidos. O novo diretor do Inpe ainda não foi anunciado.
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