Não é de hoje que se nota uma deterioração das virtudes cívicas na sociedade brasileira. São vários os sintomas desse empobrecimento das relações humanas: a diminuição do respeito pelo outro, a grosseria com vestes de espontaneidade, a incapacidade de ouvir quem pensa de forma diferente, a desconsideração pelas gerações mais velhas, a indiferença com quem presta serviços mais humildes, o ataque pessoal diante da falta de argumentos no debate público e tantas outras manifestações que não apenas geram desgosto quando são presenciadas, mas produzem profunda desesperança com o futuro do País.
Vale notar que não se trata apenas de etiquetas de boa educação ou do correto uso dos pronomes de tratamento, por exemplo. Aqui se faz referência a uma realidade social mais básica, que dá estrutura ao tecido social - o respeito pelo outro, seja quem ele for. Essa consideração independe se a outra pessoa é famosa, se tem ideias políticas semelhantes, se tem muitos recursos econômicos, se é da cidade ou do campo, se tem determinados parentescos ou amizades, se recebeu instrução formal ou não, se orientou a sua vida por critérios morais, culturais, sociais ou familiares semelhantes. O respeito pelo outro - que necessariamente deve se manifestar pelas boas maneiras - é elemento fundamental de uma sociedade.
Pois bem, essa deterioração do respeito pelo outro que, em maior ou menor grau, corrói as relações sociais e que tanta preocupação causa nas famílias, nas escolas, nas comunidades, nas igrejas e em tantas entidades preocupadas com o bem público, parece que se instalou no Palácio do Planalto. Sem maiores pudores, o presidente Jair Bolsonaro ostenta um estilo de pouco respeito por quem pensa ou atua de forma diferente da sua. Por exemplo, se a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lhe desagrada, ele acha natural responder com ataques à memória do pai do presidente da instituição.
Se é grave o fenômeno social da perda de civilidade, ainda mais grave - com efeitos sistêmicos, mais duradouros e mais perversos - é o fato de essa ausência de civilidade alojar-se nos mais altos postos da República. Se a grosseria na lide diária desperta desgosto e desesperança, ela, quando difundida aos olhos de toda a Nação, subverte toda a vida social, estimulando precisamente aquilo que deveria ser evitado. O respeito pelo outro, que é também um olhar humilde sobre si mesmo, não é elemento ornamental de uma sociedade, talvez perfeita e inalcançável. É o primeiro fundamento da República: o princípio da igualdade de todos.
Com frequência, os apoiadores de Jair Bolsonaro pedem compreensão com o que seria a suposta falta de jeito do atual presidente da República. A versão difundida é a seguinte: inexperiente nas altas esferas, ele não teria o requinte dos melhores modos sociais, o que o levaria a cometer alguns deslizes, dando, vez ou outra, caneladas em seus adversários. Nada disso, no entanto, seria especialmente relevante, tendo em vista a sua disposição de tirar o País das amarras lulopetistas e de dar uma orientação liberal à política econômica. Seus maus modos estariam, assim, desculpados em função do bem maior que ele procuraria realizar.
Em primeiro lugar, quando o presidente Jair Bolsonaro atua sem civilidade, ele contraria frontalmente sua promessa de soerguimento moral da Nação. Não se trata de um deslize. É uma atitude intencional, reiterada com frequência crescente à medida que passam os meses. Quanto maior sua experiência no cargo, maior sua disposição em dar caneladas. Ao mesmo tempo, não há crescimento econômico que possa justificar o desrespeito pelo outro, seja ele de esquerda, de centro ou de direita. O modo desrespeitoso de atuar não produz maior produtividade ou maior abertura comercial. Além de refletir um preocupante desequilíbrio no modo de ver a si mesmo e aos outros, a falta de civilidade reforça a impressão de que o País, em vez de avançar, retrocede. Trata-se, afinal, do mau exemplo, constante e deliberado, dado aos brasileiros de todas as idades pelo seu presidente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário