- O Globo
No Brasil, esperança de sair da longa crise econômica. Lá fora, turbulência pelo temor da guerra comercial entre EUA e China
O mercado financeiro entrou novamente em um período de incerteza e volatilidade, justamente quando o Brasil colheu a boa notícia da reforma da Previdência. A aprovação em segundo turno mostrou a força da ideia de mudança no sistema de pensões e aposentadorias, porque os parlamentares voltaram para as suas bases e mesmo assim mantiveram seus votos, apesar de ser um tema considerado impopular. A mudança súbita do ambiente externo se pode ver no Banco Central. A ata do Copom definia o cenário externo como “benigno” e ontem à noite ele anunciou venda de dólar no mercado futuro porque o câmbio havia subido 5,8% em uma semana.
É como se o país e o mundo estivessem em dois compassos. Aqui, uma esperança de sair da longa crise econômica que começou em 2014. Lá fora, a turbulência provocada pelo temor da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Na semana passada, lembra o economista Pablo Spyer, da Mirae Asset, a declaração do presidente do Banco Central americano, Jerome Powell, sugerindo que os cortes de juros não seriam tão intensos quanto os investidores imaginavam, provocou alta do dólar e queda das bolsas. No dia seguinte, o presidente Donald Trump fez nova ameaça de aumento de barreiras aos produtos chineses. Os chineses contra-atacaram, desvalorizando o yuan. O temor passou a ser de uma guerra cambial. O Tesouro americano disse que a China manipula a moeda, e isso permite a Trump adotar novas barreiras. Ontem, três bancos centrais anunciaram cortes de juros —Índia, Nova Zelândia e Tailândia. Saiu também que a produção industrial na Alemanha despencou em junho. O medo passou a ser de recessão global.
— O pano de fundo dessa volatilidade é o quadro de fraqueza da economia internacional. Há o receio de um novo período recessivo, mas na minha visão o mais provável é que entremos em um ciclo de baixo crescimento. A guerra comercial de Trump aumenta esse risco. A reação dos bancos centrais está relacionada a essa ameaça — explicou o economista José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e pesquisador do Ibre/FGV.
Aqui começará a tramitação da reforma no Senado com boa chance de aprovação. O efeito sobre a economia não é imediato, mas haverá. O Banco Central disse que isso melhora a percepção de risco das contas públicas e estimula a poupança privada. Em consequência disso os juros poderão cair mais. O mercado passou a achar que pode chegar a 5% nas próximas reuniões.
Em contexto desfavorável internacionalmente, o Brasil terá que conduzir a sua recuperação. As exportações de manufaturados vão encontrar mercados menos propensos ao consumo, e os preços das principais commodities que o Brasil exporta, como o minério de ferro, tendem a ficar mais baixos. A bolsa por aqui conseguiu se segurar acima dos 100 mil pontos, mas o dólar fechou ontem em R$ 3,98, pela taxa Ptax. Na aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno houve valorização dos real. Agora esse cenário previsto pelos economistas ficou mais distante.
Aqui, os bons indicadores chegam a conta gotas. As taxas de juros para o financiamento automotivo caíram para o menor percentual da série histórica, 20,9% ao ano, e isso tem favorecido as vendas de veículos e motocicletas. O prazo de financiamento voltou a subir para 40 meses na média. Mas o dado do IBGE sobre o comércio foi fraco. O índice restrito, que tem peso maior do setor de supermercados, subiu apenas 0,1% em junho e 0,6% no primeiro semestre, enquanto o índice ampliado ficou estagnado em junho, mas subiu 3,2% no ano. Veículos e motos tiveram alta de 11% no semestre. Amanhã vai ser divulgada a pesquisa dos serviços, e espera-se um novo número ruim.
— O comércio restrito tem peso muito grande dos hipermercados e é mais sensível aos consumidores de baixa renda, que sofrem com o desemprego elevado e o trabalho informal. Já o varejo ampliado tem peso maior do setor automotivo, que é mais relacionado às classes que têm acesso a crédito baixo — explica a economista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria.
O cenário da guerra comercial pode arrefecer por alguma decisão intempestiva de Donald Trump, que costuma recuar de medidas de ameaças. Mas o cenário de baixo crescimento continuará assustando os mercados. É hora de o Brasil focar no que precisa fazer para sair da crise.
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