- O Estado de S.Paulo
O BC parece esperar demais da reforma; é preciso lembrar que o risco fiscal seguirá elevado
Uma das mais importantes políticas públicas nos países é a Previdência Social. E é natural que assim o seja. Aposentadoria é assunto sério demais para dispensar a ação estatal. Os seres humanos nem sempre são racionais, sendo suas escolhas também baseadas em fatores subjetivos, como o valor dado ao status social. Assim, os indivíduos podem escolher consumir bastante hoje e não poupar para a aposentadoria. O resultado seria a pobreza na velhice. Esse é um problema enfrentado pelo Japão, onde as regras previdenciárias são muito restritivas.
Por outro lado, a Previdência pública pode se tornar um desincentivo à poupança dos indivíduos, por conta de renda previdenciária (valor presente da soma dos benefícios descontada a contribuição) elevada. Além de deprimir a poupança privada, reduz a poupança do governo, devido ao peso dos gastos com aposentadorias e pensões no orçamento público.
O impacto da aposentadoria na poupança privada não é um assunto bem estabelecido na literatura econômica, nem mesmo nos modelos teóricos. Um problema central é que nem toda poupança dos indivíduos visa ao consumo na velhice, decorrendo também de fatores como as limitações para acesso ao crédito (indivíduos poupam para adquirir bens ou pagar a educação dos filhos), a insegurança sobre o recebimento da aposentadoria pública no futuro e o desejo de deixar herança.
As evidências empíricas tampouco são conclusivas, sendo que os diferentes regimes previdenciários nos países dificultam identificar de forma robusta a direção e a magnitude do impacto.
No Brasil, é bastante provável que a Previdência reduza a poupança dos indivíduos, por ser muito generosa. A taxa de reposição é elevada e destoa da experiência mundial. Segundo Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery, as aposentadorias equivalem a 70% do salário para aqueles com salários elevados e 85% para os salários menores. Esse quadro decorre, principalmente, da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, que por sua vez teve importante valorização desde a gestão FHC.
Ocorre que a reforma da Previdência, provavelmente, não vai alterar sensivelmente esse quadro, pois boa parcela da sociedade, justamente a que poupa menos, não será afetada. Segundo Nery, 60% da população será preservada, o que inclui trabalhadores rurais, idosos no Benefício de Prestação Continuada (BPC), servidores públicos estaduais e municipais. Além disso, o economista aponta que trabalhadores urbanos mais pobres continuarão conseguindo 100% de reposição na aposentadoria, mesmo com o tempo mínimo de contribuição de 15 anos.
Em relação à poupança do governo, esta não se elevará tão cedo. Pelo menos não neste mandato presidencial. Isso porque, por alguns anos, os gastos da União com a Previdência vão apenas se estabilizar como proporção do PIB. Os gastos totais provavelmente aumentarão, pois Estados e municípios não foram contemplados na reforma e terão de fazer as próprias reformas caso não avance essa discussão no Congresso.
Fosse a reforma mais ambiciosa, tal que os gastos previdenciários como proporção do PIB convergissem para patamares mundiais, levando em conta a demografia, talvez fosse possível elevar a poupança na economia. Samuel Pessôa e Carlos Eduardo Gonçalves calculam que, nessa situação, a taxa de poupança seria 5 pontos porcentuais maior em relação ao patamar atual. Não é o caso dessa reforma.
Talvez seja precipitada, portanto, a avaliação do Banco Central de que a reforma da Previdência vai gerar um aumento da taxa de poupança e a consequente redução da taxa de juros estrutural (aquela que mantém a inflação estável). Apesar de corretamente pontuar a contribuição do menor risco fiscal para a queda da taxa de juros estrutural – sem a reforma o crescimento dos gastos e da dívida pública seria explosivo –, o BC parece esperar demais da reforma.
Há razões para celebrar, mas sem perder de vista que o risco fiscal seguirá muito elevado.
*Economista-chefe da XP investimentos
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