sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Decisão sensata – Editorial | Folha de S. Paulo

Plenário do STF acaba com incerteza criada por Toffoli para conter investigações

Ao disciplinar o acesso de órgãos de investigação a informações sigilosas detidas pelo governo, o Supremo Tribunal Federal fez o bom senso finalmente prevalecer numa discussão que se prolongou por meses desnecessariamente.

Nesta quarta-feira (4), o plenário da corte decidiu que a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vinculada ao Banco Central, podem compartilhar dados com o Ministério Público e a polícia sem a necessidade de uma autorização judicial prévia —e sem restrições.

Basta que os investigadores protejam o sigilo garantido pela Constituição às informações bancárias e fiscais dos alvos de suas apurações. Cabe à Justiça exercer o controle posteriormente em casos de vazamento ou mau uso dos dados.

O Supremo estabeleceu ainda o entendimento de que a comunicação entre esses órgãos e o repasse das informações devem ocorrer sempre de maneira formal e por meio de canais oficiais —uma norma já prevista pela legislação, mas nem sempre respeitada.

A orientação foi amparada pela formação de ampla maioria no STF. Somente 2 dos 11 ministros que integram a corte divergiram, opinando pela necessidade de autorização judicial prévia para compartilhamento das informações.

A decisão põe fim à incerteza criada por uma decisão do ministro Dias Toffoli, que preside o tribunal e determinou em julho a suspensão de todas as investigações em andamento no país que fossem baseadas em informações de órgãos como a Receita e a UIF.

Toffoli o fez de forma monocrática, assinando uma ordem de caráter provisório, para atender a um pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro que é investigado pelo Ministério Público do Rio.

Ao estender a decisão a outros casos semelhantes, Toffoli paralisou centenas de investigações em todo o país e travou a ação da UIF, que neste ano assumiu as funções do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O presidente do Supremo chegou ao ponto de exigir que a Receita e o Banco Central lhe dessem acesso a todas as informações compartilhadas com órgãos de investigação nos últimos anos —decisão da qual acabou por recuar diante da repercussão embaraçosa.

Após quase cinco meses de indefinição, Toffoli desistiu de impor restrições aos investigadores, modificando seu voto para juntar-se à maioria formada pelo colegiado no julgamento da questão.

Como infelizmente se tornou comum de tempos para cá, um integrante do STF impôs à corte enorme desgaste ao tomar uma decisão de grande alcance sem submetê-la ao plenário. O desfecho da controvérsia mostrou mais uma vez que a manifestação do colegiado é o melhor caminho para conferir credibilidade às decisões do tribunal.

Quem paga a fatura maior – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os pobres pagam a conta mais pesada pelo repique dos preços da alimentação e da habitação em novembro. Como seu orçamento é muito apertado, as famílias de baixa renda são afetadas de modo especialmente doloroso por qualquer desarranjo nos preços ao consumidor. Não poderia ser diferente, porque sua pauta de consumo quase se restringe aos itens indispensáveis. No mês passado, o custo da comida subiu 0,60%, mais que revertendo a queda de 0,18% registrada em outubro. A conta de luz aumentou 2,85%. No mês anterior havia diminuído 3,26%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1 (IPC-C1), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com isso, a inflação das famílias com renda mensal de 1 a 2,5 salários mínimos voltou a ultrapassar a dos grupos mais bem remunerados. A piora de condição das pessoas mais pobres torna ainda mais urgente movimentar os negócios e apressar a recuperação, até agora muito lenta, do mercado de emprego.

O custo do churrasco virou assunto de queixas e de humor negro nas últimas semanas, quando ficou evidente a grande alta de preços ocasionada pelo aumento das vendas à China. Com novo surto de peste suína, o mercado chinês passou a demandar volumes maiores de carnes produzidas em outros países. Lucram os criadores brasileiros e a conta de comércio ganha um reforço num momento de forte instabilidade cambial. Mas esses efeitos positivos impõem novos custos à maior parte das famílias, principalmente às de orçamento mais curto.

Vários bens e serviços consumidos pelas famílias com ganho mensal de 1 a 2,5 salários mínimos subiram mais em novembro do que no mês anterior, mas os maiores impactos vieram mesmo da carne e da eletricidade. Feito o balanço, os preços pagos por essas famílias aumentaram 0,56% no mês, 3,64% no ano e 3,98% em 12 meses. O indicador mais amplo e mais tradicional da FGV, calculado para famílias com renda mensal de 1 a 33 salários mínimos, aumentou 0,49% em novembro, 3,31% no ano e 3,61% em 12 meses. Na média, portanto, esse conjunto de consumidores ficou em posição menos desconfortável que a das famílias mais pobres.

O noticiário dos últimos dias mostrou ao mesmo tempo esse dado negativo, o novo aperto para a maior parte dos brasileiros, e alguns sinais de reativação econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre foi 0,6% maior que o do segundo. A produção industrial continuou em crescimento em outubro, com avanço mensal de 0,8%. A construção civil tem reagido e deve terminar 2019 em alta, depois de cinco anos de retração.

Entre outubro e novembro diminuiu de 24,9% para 24,7% a parcela das famílias com dívidas em atraso. Ao mesmo tempo, a proporção das famílias com dívidas passou de 64,7% em outubro para 65,1% em novembro, um provável sinal de crédito mais amplo e mais acessível. Esse pode ser um fator adicional de expansão do consumo e de estímulo ao crescimento da economia.

Nada garante, por enquanto, a realização das boas promessas aparentemente embutidas nos vários sinais positivos. Mas a reação otimista a essas boas notícias pode também contribuir para a melhora das condições econômicas.

Essa melhora, no entanto, deixará de respingar em muitos milhões de famílias, se as condições de emprego continuarem mudando muito lentamente. Nesse caso, dezenas de milhões deixarão de partilhar dos ganhos de renda ou participarão de modo muito limitado. Se os preços de alimentos e outros itens essenciais continuarem pressionando os orçamentos, as melhoras para as famílias pobres serão nulas.

O ganho real de renda proporcionado pela inflação baixa será perdido ou talvez até revertido. Não se espera, já indicou a ministra da Agricultura, uma queda significativa dos preços das carnes em 2020.

Ganho de renda por meio de emprego é a melhor e mais segura solução para esse e para muitos outros problemas. A mera redução de direitos, principal fórmula até agora apresentada pelo governo, está longe de ser uma resposta aos problemas dos milhões de famílias mais afetadas pela crise.

Volta da prisão na 2ª instância ganha fôlego no Senado – Editorial | O Globo

Perspectiva para o retorno à jurisprudência melhora com tramitação de projeto na Casa

Percalços ocorridos na caminhada da sociedade contra a corrupção e o crime organizado em geral têm sido atenuados nos últimos dias. A decisão do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, de acolher pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro para suspender investigação do Ministério Público sobre o cliente, aberta a partir de dados sobre movimentações financeiras atípicas detectadas ainda pelo Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), parecia o prenúncio de um retrocesso de dimensões inimagináveis.

Os advogados argumentavam que teria havido quebra ilegal de sigilo bancário. Para agravar os temores, Toffoli estendeu a decisão a todos os inquéritos semelhantes. Quase mil ficaram paralisados.

Felizmente, depois de várias sessões, na quarta-feira, dez dos 11 ministros da Corte — Marco Aurélio Mello ficou isolado — avalizaram a tese formulada com base em voto de Alexandre de Moraes pela qual voltase à regra de que UIF e Receita podem compartilhar dados financeiros e fiscais com MP e polícias, antes que haja um pedido formal de quebra de sigilo, respeitadas regras razoáveis. Como em qualquer país civilizado.

No mesmo dia, ganhou velocidade a importante tentativa que o Congresso faz para restabelecer o início do cumprimento da pena na confirmação da sentença em segunda instância, revogada há pouco no Supremo pela maioria de apenas um voto.

Restabelecido o entendimento de que o conceito constitucional do “transitado em julgado” significa esgotar todos os incontáveis e abusivos recursos permitidos pela legislação brasileira, causa da prescrição de crimes, o Congresso passou a tratar de mudanças em textos de leis para evitar este retrocesso. Dos dois caminhos possíveis —por meio de Proposta de Emenda Constitucional ou de projeto de lei comum, neste caso, para alterar artigo do Código de Processo Penal (CPP) —, um entendimento entre Câmara e Senado deu prioridade à PEC, que se encontra na Câmara. Caminho mais longo, porém alegadamente mais seguro.

Quarta-feira, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), diante de um pedido formal de 43 dos 81 senadores, decidiu, corretamente, colocar o projeto de lei que altera o CPP em votação na semana que vem.

Não faz mesmo sentido esperar. Defende o ministro da Justiça, Sergio Moro, com razão, que os dois projetos devem tramitar ao mesmo tempo. O certo é que, incluída na Carta ou no CPP, a mudança — o cumprimento da pena a partir da segunda instância — será contestada no Supremo. Em que há pelo menos cinco votos favoráveis a ela. Basta uma conversão.

Uma preocupação deve ter estimulado senadores a defender a tramitação do PL: o temor de que a opção pela PEC se deva, com todas as vênias, a pressões dos interessados de sempre em que a lentidão proverbial dos tribunais continue favorecendo a impunidade.

Mudança do mapa político coloca em risco o Mercosul – Editorial | Valor Econômico

É impossível prever seu futuro, mas, em uma atmosfera propensa a conflitos, tudo o que puder dar errado, dará

A insatisfação dos eleitores na América do Sul colocou governos de direita e de esquerda igualmente em apuros. A desaceleração econômica, primeiro, e o baixo crescimento, depois, não pouparam os esquerdistas da Frente Ampla, no Uruguai, Evo Morales, na Bolívia, e Lenín Moreno, no Equador. Foram igualmente destrutivos para governos liberais, como o de Mauricio Macri, na Argentina, devastando a popularidade dos direitistas Sebastián Piñera, no Chile, e Ivan Duque, na Colômbia, testados por enormes manifestações de rua.

O panorama político é movediço e multifacetado, assim como seus principais atores. Há esquerdas que diferem bastante entre si, como os peronistas argentinos e os da frente governista uruguaia. E uma distância considerável entre direitistas como o presidente Jair Bolsonaro e o presidente eleito uruguaio, Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, que desalojou do poder, após 15 anos, a Frente Ampla.

O redesenho político produziu inevitavelmente novas tensões no principal bloco econômico da região, o Mercosul, e pôs um ponto de interrogação sobre seu destino. Bolsonaro e Alberto Fernández, peronista que passa a ocupar a Casa Rosada a partir do dia 10, agrediram-se durante e depois da campanha eleitoral argentina. No balanço interno do bloco, o pêndulo político não se inclina para a Argentina, embora não se desloque inteiramente para o Brasil, pois Lacalle Pou, que tem uma agenda liberal na economia, diverge no tratamento de questões sociais. O Paraguai tem boas relações com o governo Bolsonaro.

As mudanças políticas tiveram efeitos opostos nos países que se associaram ou se aproximaram do Mercosul. A Venezuela, que contava com a benevolência do governo uruguaio, deixará de tê-la com o novo presidente. No campo externo, disse Lacalle Pou, “vamos chamar os ditadores de ditadores”. O que não significa, porém, que Juan Guaidó, reconhecido pelo governo brasileiro, terá o apoio uruguaio. A Bolívia tende a ser ideologicamente mais amigável, apesar do pragmatismo de Evo Morales nos últimos anos - ele compareceu à posse de Bolsonaro, por exemplo. Não está certo se o liberal Carlos Mesa vencerá as novas eleições, já que o bom desempenho econômico de Morales poderá render a vitória a seu Movimento ao Socialismo, embora esse não seja o cenário mais provável.

O Brasil impulsiona no bloco a abertura econômica, que encontrará na Argentina seu principal obstáculo. Fernández disse que tem restrições ao acordo firmado pelo Mercosul com a União Europeia e seu discurso possui todas as marcas do protecionismo kirchnerista, que caracterizou os governos de sua vice, Cristina Kirchner. O governo Bolsonaro propôs uma redução da tarifa externa comum (média de 14% hoje), que foi discutida rapidamente na reunião de cúpula do Mercosul em Bento Gonçalves, ontem. Não houve decisão porque estavam presentes governos que foram rejeitados nas urnas e ausentes os novos presidentes. Mas é quase certo que a iniciativa liberal do Brasil será rejeitada por Buenos Aires.

Do lado brasileiro, há indefinição. O Itamaraty e a ala dura do governo lançaram vários balões de ensaio: se a Argentina se fechar, o Brasil abandonará o bloco. Alguns líderes políticos, que não são bolsonaristas, acreditam que é necessário rebaixar a pretensão do bloco e regredir para uma área de livre comércio, uma vez que a união aduaneira consubstanciada no Mercosul pouco avançou.

Lacalle Pou quer mais espaço para negociar acordos individualmente, o que não desagrada, em tese, o Brasil, às turras com a Argentina. Unidos pela agenda liberal, porém, estão a léguas de distância na social. Pou deixou claro que não revogará as medidas da Frente Ampla, que legalizou o casamento homossexual, o aborto e a maconha. Seu problema interno é um aliado, Guido Manini Rios, de extrema direita. O novo presidente precisará do apoio na Câmara dos 11 deputados do Cabildo Aberto, de Rios. Como Bolsonaro, Rios defende ex-torturadores e ditadores.

Pou mantém a esperança de que “o pragmatismo vai superar a ideologia”, referindo-se ao relacionamento entre os dois sócios maiores do Mercosul. Tanto em Brasília como na Casa Rosada, o clima é de beligerância e desprezo mútuo. A inclinação protecionista argentina é evidente e é possível que o país volte ao “comércio administrado” que infernizou o Mercosul e, em especial, os exportadores brasileiros. É impossível prever seu futuro, mas, em uma atmosfera propensa a conflitos, tudo o que puder dar errado, dará.

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