- O Estado de S. Paulo / BR Político
O artigo do vice-presidente publicado no Estadão faz a defesa da centralização político-administrativa e do anti-judiciarismo típicas do militarismo de Floriano, Hermes e do regime militar. Curiosamente, citando clássicos liberais americanos e brasileiros, de tendência unionista e não estadualista (Madison e Amaro Cavalcanti).
Qual o sentido desse artigo?
Aparentemente ele defende o governo Bolsonaro. Mas por que o vice faria a defesa de um governo encalacrado e cambaleante? Ele não devia estar, ao contrário, acenando para o Congresso? E justo agora, com seus colegas tendo que passar pelo constrangimento de deporem em inquérito contra Bolsonaro!
Minha aposta é a de que o vice-presidente está praticando um jogo cifrado. A lealdade dele, na verdade, não é a Bolsonaro, que sequer é citado. É aos generais conservadores do Planalto e do Alto Comando. É governista, sem ser bolsonarista.
Mourão está lhes estendendo a solidariedade política e dizendo o que eles querem ouvir: o mantra tradicional do exército como poder moderador da república e da centralização no executivo como guardião da ordem e da autoridade, garante da unidade nacional, contra as derivas judiciaristas e estadualista. Tudo isso às vésperas da divulgação do vídeo da reunião ministerial que revelar as entranhas escandalosas do governo.
O movimento do general Mourão parece ir assim no sentido de dar segurança aos colegas militares, constrangidos de terem se manter leais a um governo incompetente e nepotista, de notórios arruaceiros, no caso de uma eventual mudança na Presidência.
A honra militar do vice-presidente não lhe permite trair o presidente como fez o Temer. O partido de Mourão é o Exército. O que Mourão sugere — mas nunca irá admitir — é que, na hora de desembarcarem do governo Bolsonaro, se este momento chegar, desembarcarão todos juntos.
No governo dele, Mourão, os colegas de farda ficarão tranquilos, porque prevalecerá um projeto conhecido e familiar de ordem nacional, de estilo Escola Superior de Guerra. A ordem e a unidade seriam restabelecidas tendo o Executivo federal como eixo organizador. Haveria nele espaço para acordos com o congresso, mas “sem corrupção”, e para um governo “ordeiro e de autoridade”, sem o populismo insano e polarizador de Bolsonaro.
Um governo nacional, encabeçado por um general, teria moral para respeitado e acatado pelo Judiciário e pelos governadores. Bom lembrar que, em declaração anterior, o vice-presidente já fez a defesa da costura de uma base parlamentar na Câmara, de base programática. Cada general-presidente com sua Arena…
Em suma, acredito que Mourão anda ultimamente acenando não para o Bolsonaro, mas para os outros generais e para o Congresso, de modo cifrado, estabelecendo as bases ideológicas e programáticas de um eventual governo dele. Menos Trump e mais Medici, menos Olavo e mais Golbery.
Mourão como o verdadeiro Bonaparte do novo regime — este Bonaparte, que sempre aparece depois da “revolução” que desestabiliza e desmoraliza as instituições, como a que vivemos entre 2013-2018, e que Bolsonaro se revela incapaz de resolver.
Resta saber se o Congresso vai morder a isca, e se está havendo efetivas aproximações entre ele e as lideranças da Câmara, para viabilizar a mudança lá na frente. Isso não é possível saber.
* Christian Edward Lynch é cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).
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