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Um presidente acuado
No papel de presidente do sexto país do mundo com o maior número de vítimas do Covid-19, o ex-capitão Jair Bolsonaro, afastado do Exército porque planejou detonar bombas em quartéis, viveu 24 horas de fúria sem que ninguém ao seu lado tentasse contê-lo.
Naturalmente não foi a primeira vez e nem será a última. Mas desta vez tinha razões de sobra para se comportar assim. Quantas vezes já não se disse que o cerco se fecha em torno dele e que seu mandato corre risco? Ninguém melhor do que Bolsonaro sabe e sente.
Daí as reações desatinadas que indicam a medida do desespero que toma conta dele. Uma coisa é Bolsonaro disparar para todos os lados a cada momento. É seu instinto assassino. Não sabe viver em paz. Foi treinado para matar, mas nunca lutou uma guerra de verdade.
Outra coisa é atirar em tudo que se mexa à sua frente porque está com medo do que possa acontecer amanhã ou daqui a pouco. Bolsonaro testou positivo para o vírus da crise política desatada com a saída do governo do ex-ministro Sérgio Moro. O hospedeiro do vírus é ele.
No dia em que o Brasil se aproximou dos 14.000 mortos por Covid-19 em menos de dois meses e ultrapassou 200.000 infecções, Bolsonaro defendeu novamente a volta indiscriminada ao trabalho, o uso da cloroquina para combater o mal, e destratou seus desafetos.
Em vídeoconferência, convocou os empresários paulistas a desafiarem as regras de isolamento baixadas pelo governador João Doria (“Os senhores têm que chamar o governador e jogar pesado porque a questão é séria, é guerra. É o Brasil que está em jogo”)
– O que parece que está acontecendo é uma questão política, tentando quebrar a economia para atingir o governo. Um homem em São Paulo está decidindo o futuro da economia do Brasil – disse Bolsonaro. Ao seu lado, o ministro Paulo Guedes, da Economia, concordou.
Na mesma ocasião, atacou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acusando-o de “querer ferrar o Brasil” com a aprovação de medidas que contrariam o governo. Mais tarde, os empresários se queixaram da falta de propostas para tirar o país do atoleiro.
Mais cedo, ele havia dito a jornalistas que “o Brasil está quebrado” e fadado a ser “um país de miseráveis”. E assinado uma Medida Provisória que anistia erros de servidores públicos cometidos no combate ao vírus. Os dele, inclusive. Uma aberração!
O Covid-19, a recessão econômica que se desenha e a crise política que se agrava tiram o sono do presidente que atravessa as madrugadas ao celular para ler o que dizem dele nas redes sociais. Ali, seus seguidores já não se animam a socorrê-lo como antigamente.
Nas próximas horas, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, presidente do inquérito que apura a denúncia de Moro de que Bolsonaro tentou intervir na Polícia Federal, dará sua decisão sobre o vídeo mais explosivo da história recente do país.
Libera o vídeo para divulgação na íntegra? Libera com cortes? Ou não libera? Quatro colegas de Celso ouvidos por este blog apostam que o vídeo será liberado para divulgação na íntegra. É tudo o que Bolsonaro não quer porque teme os efeitos devastadores do vídeo.
Ficará provado que na reunião ministerial de 22 de abril último ele ameaçou, sim, intervir politicamente na Polícia Federal para remover seu diretor-geral e o superintendente do Rio. Foi o que acabou por fazer uma parte antes e outra depois da demissão de Moro.
Mesmo que o Procurador-Geral da República, ao fim do inquérito, preferira arquivá-lo ao invés de denunciar Bolsonaro, seu conteúdo será aproveitado para sustentar inúmeros pedidos futuros de impeachment. Mais de 20 deles repousam nas gavetas de Maia.
Às favas os escrúpulos de consciência dos que apoiam Bolsonaro
“Aqui, a história não se repete como farsa” (Luis Fernando Verissimo)
O que dirão as pessoas quando assistirem aos atos explícitos de cumplicidade da maioria dos ministros diante dos palavrões ditos pelo presidente Jair Bolsonaro na reunião de 22 de abril passado gravada em vídeo prestes a ser divulgado?
Ninguém, ali, demonstrou estranhamento – uns porque já estão a acostumados com a linguagem porca do presidente, outros porque a compartilham. Ninguém pareceu se incomodar com o comentário do ministro da Educação sobre a prisão dos juízes do Supremo.
A ministra da Mulher e dos Direitos Humanos sentiu-se tão à vontade que sugeriu a prisão de governadores e prefeitos. Ninguém a interpelou a propósito. Todos sabiam que a reunião estava sendo gravada, mas jamais imaginaram que pudesse um dia vir a público.
Da mesma forma devem ter pensado os ministros que se reuniram com o presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 para discutir a edição de mais um ato institucional – o de número 5, o mais violento. Foi quando a ditadura militar tirou a máscara.
Costa e Silva abriu a reunião dizendo: “Ou a revolução continua, ou se desagrega”, e pediu a opinião de todos. Apenas o vice-presidente, Pedro Aleixo, foi contra o ato. Ficou célebre a frase dita pelo ministro do Trabalho e da Previdência Social Jarbas Passarinho:
– Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.
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