terça-feira, 16 de junho de 2020

Bernardo Mello Franco - Revoltados a favor

- O Globo

Os revoltados a favor são úteis ao bolsonarismo. Desde que chegou ao poder, o presidente aposta na mobilização de uma minoria barulhenta para se sustentar

Sara Winter se esforçou. Desde que chegou a Brasília, a militante de extrema direita fez de tudo para atrair a polícia. Montou um acampamento armado na Esplanada, ameaçou agredir um ministro do Supremo, liderou uma tentativa de invasão do Congresso. Finalmente conseguiu ser presa ontem, após semanas de ataques à democracia.

A ex-feminista copiou o codinome de uma espiã britânica que simpatizava com o nazismo. Com a prisão, poderá se vender como mártir da seita radical que apoia o governo. A conversão ao bolsonarismo já tinha lhe rendido um cargo no ministério da pastora Damares. Agora ela pode sonhar com voos maiores. Sua primeira tentativa de se eleger deputada, em 2018, fracassou por falta de votos.

Sara lidera o grupo “300 pelo Brasil”, classificado como “milícia armada” pelo Ministério Público do Distrito Federal. O bando só aponta a mira para o Legislativo e o Judiciário. Sua relação com o Executivo é de fidelidade e devoção, expressada todos os domingos em frente ao Palácio do Planalto.

O presidente Jair Bolsonaro faz questão de prestigiar os aloprados. Nas últimas semanas, chegou a usar um helicóptero oficial para agitar a claque do alto. Ele sabe que os revoltados a favor são úteis ao governo, que aposta na mobilização permanente de uma minoria barulhenta para se sustentar.

A História ensina que as tropas de choque ajudam a abrir caminho para líderes e regimes autocratas. “É um erro subestimar esses grupos radicais pelo fato de eles reunirem poucos integrantes”, afirma a antropóloga Isabela Kalil, que estuda movimentos ultraconservadores desde as manifestações de 2013. “Esses grupos têm uma função para o governo. Eles fazem o que Bolsonaro e seus filhos não podem fazer”, explica.

A professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo diz que os radicais já cumpriam tarefas de propaganda e intimidação de adversários. Na pandemia, ganharam uma função extra. “Eles ajudam a sequestrar a pauta e desviar a atenção da sociedade. Agora nós estamos falando sobre a Sara Winter, não sobre os mortos pelo coronavírus”, resume.

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