Avançar na focalização de programas a partir do Bolsa Família poderá ser um caminho menos ambicioso, porém viável a curto prazo
Quando lançou o auxílio emergencial de R$ 600, em abril, o governo federal não imaginava que os efeitos da pandemia do novo coronavírus fossem tão severos e duradouros. De lá para cá, o que se vê são sinais cada vez mais negativos. Depois de prever inicialmente que o Produto Interno Bruto (PIB) ficaria praticamente empatado neste ano, rapidamente o próprio governo passou a projetar uma queda de 4,7% após a paralisação de várias atividades.
Mas o número estimado pelo governo é até otimista. O mercado financeiro espera recuo de 6,5%, enquanto o Banco Mundial conta com queda de 8%. Para a Organização e Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), os efeitos se estenderão ao próximo ano, quando os brasileiros ficarão 8% mais pobres. O mercado de trabalho exibe um dos piores aspectos da pandemia ao elevar o número de desempregados a 12,8 milhões em abril e para 4,9 milhões o total dos que sequer buscam ocupação.
O cenário dramático abriu espaço para pressões a favor do prolongamento do auxílio emergencial e para a retomada do debate a respeito da criação de um programa de renda mínima para os mais carentes, muitos dos quais somente ganharam visibilidade com a pandemia. Após resistência inicial, o governo encampou as ideias mesmo porque entrou em seu radar o impacto positivo do auxílio emergencial na cada vez mais desgastada popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Pesquisa do site Poder 360 constatou aprovação de Bolsonaro por 48% dos que recebem o auxílio ou esperam recebê-lo em comparação com 41% da média dos entrevistados.
Assim como no lançamento do auxílio, o governo regateia. No início da pandemia, a intenção do executivo era pagar R$ 200 aos necessitados, e só chegou aos R$ 600 por determinação do Congresso. Agora, já consente com o prolongamento do benefício por dois meses, mas antecipa que não poderá manter os R$ 600 e fala em uma quantia menor, a metade, como sinalizou o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na ocasião, antecipou ainda que o auxílio será substituído por um novo programa, o Renda Brasil, idealizado como a unificação de vários benefícios sociais.
Não se sabe bem ainda o que será o Renda Brasil, quanto deve distribuir nem quantos serão os beneficiados. Há várias discussões simultâneas a respeito do tema, no governo, no Congresso e entre economistas, e os valores envolvidos dependem da ambição do programa, cuja construção depende da reforma de benefícios já existentes e de uma inevitável mudança nas regras tributárias, que crie as fontes de recursos para o projeto. Como calculou o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, o programa pode custar de R$ 33 bilhões a nada menos do que R$ 1 trilhão, dependendo do seu tamanho (Valor, 12/6).
O governo naturalmente rascunhou uma proposta enxuta, que mais parece o reempacotamento de programas já existentes como o Bolsa Família, abono salarial, seguro defeso e salário família. No Congresso, há sugestões que incluem o auxílio-reclusão e o auxílio-creche e ainda o seguro desemprego.
O tema tem grandes implicações do lado fiscal e do teto de gastos. Já que não se ousa mexer nos salários e vantagens dos funcionários públicos, cujas maiores contas estão nas folhas dos militares, policiais militares e Judiciário, que sabem muito bem preservar suas vantagens, a despesa será novamente debitada na classe média, respingando para classe média alta.
O alcance da reforma tributária sobre a renda e a propriedade necessária vai também depender do tamanho do programa. Entre as alternativas em discussão estão desde a redução das isenções concedidas a gastos com saúde e educação à tributação de lucros e dividendos. No Congresso, fala-se em aumento da taxação das faixas mais elevadas de renda.
A expectativa é que o tema ganhe espaço no segundo semestre, no pós-pandemia, para resultar em medidas efetivas em 2021. Isso se o cronograma não for atropelado pela realidade, que vai exigir respostas rápidas, que não deixem a população carente desemparada na transição para a esperada volta à normalidade, que não se sabe como será. Mas é preciso aperfeiçoar e ampliar programas existentes respeitando desde o início a severa limitação fiscal. A renda básica universal é cara demais e fiscalmente insustentável no Brasil, a médio prazo. Avançar na focalização de programas a partir do Bolsa Família poderá ser um caminho menos ambicioso, porém viável a curto prazo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário