- Folha de S. Paulo
Saída de Mansueto Almeida ilustra dilema imposto a quadros técnicos do governo
O ajuste fiscal sai enfraquecido com a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Bruno Funchal será um sucessor digno, mas só o teste da prática dirá se ele é igualmente capacitado no plano técnico, hábil na relação com Congresso e imprensa e determinado no propósito fiscalista.
E ainda assume —ao contrário de seu antecessor— em um momento no qual conter gastos está muito longe das preocupações do país.
Mansueto insiste que os fiadores do ajuste eram Paulo Guedes e Bolsonaro. Mas eles se beneficiavam da credibilidade que Mansueto trazia ao governo. A agenda Guedes, agora, também se enfraquece.
Isso significa, portanto, reforço para ambições da agenda de investimento público do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e dos militares, que demanda mais liberdade de gastos do que o fiscalismo estrito recomenda.
Quem também deve estar animado com a possibilidade de mais gastos são as legendas do centrão.
Ninguém cimenta relações com ajuste fiscal. Para quem ainda acredita nas perspectivas da agenda Guedes, cabe perguntar: se o Ministério da Economia entregou resultados tão modestos em 2019, quando tudo estava a seu favor, por que esperar resultados melhores agora, com circunstâncias externas (epidemia), pressão do Congresso, divergências internas e desfalque de quadros todos jogando contra?
Em algum momento do futuro teremos que discutir o que levou tantos empresários e investidores brasileiros a acreditar que um governo tão desqualificado e bagunçado era o veículo ideal para uma agenda econômica que colocasse o Brasil em ordem. Seja como for, para quem entende que os males que o governo Bolsonaro traz ao país —educação, meio ambiente, política social, cultura, instabilidade democrática, degradação do debate público— em muito superam os ganhos possíveis na agenda econômica, a defecção de um servidor competente é bem-vinda.
Bolsonaro impõe um dilema a qualquer quadro técnico: manter-se no cargo, apesar dos absurdos cometidos pelo governo, para ao menos ajudar o país de alguma maneira, ou sair do cargo e parar de dar credibilidade a um governo que não a merece?
É fácil para quem está de fora julgar a decisão de quem fica. Em algum momento, uma linha é cruzada e a permanência em um governo vil é antes um oportunismo de apego ao poder do que um real serviço à nação. Mas cada pessoa traça essa linha em um lugar diferente. Ao que tudo indica, o adiamento de suas pautas prioritárias para um futuro incerto foram o definidor. Outros nomes competentes devem passar pelo mesmo dilema.
E não são só os bons que abandonam o navio. Outra saída que se anuncia é a do ministro Abraham Weintraub. Ministro militante, que até agora não fez rigorosamente nada pela educação, notabilizou-se pelos impropérios e erros de português que comete no Twitter.
Não se sabe ainda quem o substituiria, mas é provável que, saindo o militante olavista, o centrão ganhe espaço dentro da pasta. É difícil pensar num substituto tão ruim ou pior que o ministro atual, mas nesse quesito o governo sempre nos surpreende.
A cada mudança de cargo ou criação de ministério, ganham espaço no governo os quadros políticos em oposição aos quais Bolsonaro se elegeu. O liberalismo econômico perde de um lado, a militância olavista perde de outro. Afasta-se o risco de um impeachment e também o de um golpe. É a virtude do fisiologismo político brasileiro: os extremos são empurrados para fora.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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