terça-feira, 16 de junho de 2020

Míriam Leitão - Futuro do ajuste no pântano político

- O Globo

Saída de Mansueto Almeida é mais uma perda num projeto econômico que periga pelas fraquezas e inconsistências do governo Bolsonaro

Mansueto Almeida é um desfalque grande para a equipe econômica, em um momento que será necessário ter firmeza na questão fiscal, capacidade de diálogo com o Congresso e os governadores, conhecimento da máquina e destreza técnica em contas públicas. O economista é um quadro do setor público e era o único, dentro da equipe, que já estava no cargo desde o governo anterior. Por característica pessoal e por essa história, sempre teve mais independência para dizer o que fosse necessário internamente.

Bruno Funchal, que vai substituí-lo, vem da melhor experiência fiscal estadual que é a do Espírito Santo, o único estado com a nota de crédito A. Funchal substituiu Ana Paula Vescovi quando ela deixou o estado para ser secretária do Tesouro no começo do governo Temer. Depois, ela virou secretária-executiva do antigo Ministério da Fazenda, e Mansueto foi ser secretário do Tesouro.

Mansueto preparou sua saída para não “causar”. Foi dizendo internamente e preparando o movimento. Ele tem dito que o fiador das contas públicas não é ele, mas o ministro Paulo Guedes. Não está sendo insincero, porque é isso que realmente acredita. Mas Guedes tem dado sinais desde o começo do governo de que consegue adaptar seus projetos ao que o presidente quer. Usa sempre o argumento de que Jair Bolsonaro é que foi eleito. Se todos os ministros da Fazenda usassem o mesmo argumento teria havido muito mais interferência política no Ministério. Uma forma de blindar a Economia é exatamente não ceder à lógica política. Isso é diferente de ter diálogo com o Congresso. Há momentos em que o ministro dessa pasta tem que ser o doutor “não”. O presidente Jair Bolsonaro nunca teve convicção fiscalista, nem mesmo liberal. E agora que está fazendo acordo com o centrão cresceram as ameaças contra o projeto de austeridade e não interferência política nas questões fiscais e econômicas.

Este ano não é o momento de austeridade no sentido de buscar uma meta fiscal, mas sempre será necessário procurar a eficiência da despesa pública, a transparência de cada conta, e o projeto de médio e longo prazos para inverter a curva da dívida que está subindo exponencialmente. O sinal dado com a entrega da presidência do Banco do Nordeste a um indicado pelo centrão é muito ruim. O nome escolhido durou 24 horas. Isso significa que o controle que o Planalto diz que tem sobre a qualidade das escolhas não resiste ao primeiro teste de consistência. É sempre um risco a entrega de bancos públicos no balcão das negociações políticas.

O país terá este ano um déficit jamais visto. De mais de R$ 700 bilhões. A dívida que estava começando a ser reduzida dará um salto para 95% do PIB ou mais. O presidente luta contra seu enfraquecimento político, voltando-se para o grupo de partidos ao qual sempre pertenceu, atrás de um total de 200 votos. Isso é um pouco mais do que o necessário para barrar um processo de impeachment, mas não o suficiente para aprovar projetos, muito menos mudanças constitucionais. Pela trilha que escolheu, Bolsonaro continuará fazendo provocações — como a da semana passada, ao mandar uma MP inconstitucional ao Congresso e vê-la devolvida — em vez de negociar um verdadeiro entendimento institucional.

Nesse quadro tormentoso, o ministro Paulo Guedes tentará retomar a mesma agenda de antes, apesar de não ter conseguido entregar ao Congresso as propostas de reformas administrativa e tributária. Nesse quadro, qual a chance de prosperar um bom, consistente e coerente plano pós-pandemia? Muito pequena. Um detalhe que não passa despercebido é a frequência com que o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, o homem das 15 armas e do litro de cloroquina, aparece em transmissão do presidente para fazer coisas como tomar um copo de leite ou referendar o uso político dos programas públicos. Guimarães é a ponta mais visível da politização da equipe econômica. Mansueto era a parte mais forte do apuro técnico da equipe.

A mudança do critério de transferência de recursos aos estados foi feita por ordem direta do presidente Bolsonaro, que queria reduzir ao máximo o socorro a São Paulo. Se fosse pelo valor da arrecadação de ICMS, o governo paulista receberia mais. Por isso, foi necessário inventar uma fórmula mais complexa. Concessões da equipe e a distribuição de cargos ao centrão tornarão mais difícil o projeto de ajuste quando ele for necessário.

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