sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Biden fecha chapa inclusiva contra populismo de Trump – Editorial | Valor Econômico

Trump sempre aposta na divisão e na confusão e essa pode ser sua última chance

No início da campanha eleitoral, o presidente Donald Trump governava um país com a economia em boa forma e, favorito, esfregava as mãos de satisfação ao ver que, nas primárias democratas, seus rivais estavam empurrando o partido cada vez mais para a esquerda, o que facilitaria ainda mais sua recondução ao cargo. A 80 dias da votação, tudo mudou: Trump está atrás do democrata Joe Biden até mesmo em Estados nos quais derrotou Hillary Clinton em 2016, a economia americana ainda não se livrou da ameaça do coronavírus, o desemprego supera dois dígitos e os democratas fizeram o caminho de volta ao centro, ainda que não toda ele.

Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama, fez uma escolha politicamente sábia ao indicar para companheira de chapa Kamala Harris, negra, filha de imigrantes, promotora e senadora pela Califórnia. Ela ficou para trás nas primárias democratas, onde suas ideias nem sempre claras não encontraram espaço entre a moderação com viés progressista de Biden e o radicalismo (nos termos da política convencional dos EUA) dos dois candidatos mais conhecidos à esquerda, os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Tido como azarão, Biden venceu a indicação democrata sem despertar entusiasmo, mas alívio, no establishment partidário.

A pandemia, porém, mudou o panorama a favor dos democratas. A crise que provocou revelou com mais vigor a incompetência de Donald Trump, seu populismo rude e a completa inadequação das políticas dos republicanos. Contra os alertas de seus serviços de informação, Trump desdenhou do perigo da covid-19, propagandeou cloroquina, evitou máscaras e disse que o vírus iria embora de um dia para outro. Não foi - mais de 5 milhões de americanos foram infectados e 157 mil morreram até agora. Pelas projeções, esse número chegará a 250 mil no dia das eleições, em 3 de novembro.

O trabalho sistemático de Trump para destruir as instituições multilaterais que os EUA criaram no pós-guerra e sua guerra comercial com a China têm enormes consequências globais, mas influenciam menos a política eleitoral doméstica. Nela, Trump seguiu seu instinto e paga um preço por isso. Os protestos contra o assassinato do negro George Floyd pela polícia de Minnesota foram violentamente reprimidos, sob aplauso de um presidente que qualificou os manifestantes de anarquistas radicais, alinhando-se aos que cometeram um ato indefensável.

Trump foi mais longe ao ameaçar convocar tropas federais para reprimir americanos e, algo impensável antes, enviou a vários Estados agentes federais civis para prender manifestantes e sequestrá-los em veículos não identificados - sinistra cena de república bananeira com seus ditadores violentos.

Aos 77 anos, Biden representa a possibilidade da volta da política americana à normalidade bipartidária, arrasada pelo populismo de Trump. Sem dom para empolgar as massas, vítima frequente de lapsos de memória e de gafes, ele assiste à autocombustão do presidente, que, mais do que seus próprios feitos, deram-lhe a liderança nas pesquisas, com média de 8 pontos percentuais à frente do rival.

Com apoio político de Obama, Biden escolheu uma candidata que reforça e energiza o voto de negros e minorias, já galvanizados pelos insultos de Trump, e cria uma ponte para parte da esquerda que preferia Bernie Sanders - que se aliou a Biden, mas não o fez quando perdeu as primárias para Hillary Clinton. Kamala Harris, por outro lado, é aguerrida e boa de campanha, embora tenha o perfil mais próximo do centro entre os candidatos da esquerda do partido.

Biden dirigirá e será dirigido pelo arco de forças democratas que levaram Obama ao poder, que, em atmosfera política radicalizada, empurrará mais eleitores democratas às urnas, uma diferença decisiva em relação ao morno apoio dado a Hillary.

Trump deve ser um mau perdedor. Atrás nas pesquisas, insinuou que não respeitará o resultado das eleições, já classificadas por ele como “as mais fraudulentas da história”. Denuncia o aumento dos pedidos de voto por correio, natural diante de uma pandemia, e seu partido se recusa a dotar o serviço postal de US$ 2,5 bilhões para o esforço. Ele sempre aposta na divisão e na confusão e essa pode ser sua última chance. A história recente só registra dois presidentes que fracassaram em busca da reeleição - Jimmy Carter e George H. Bush - e nenhum dos dois era tão despreparado e desqualificado como Trump. Mas ele ainda pode vencer.

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