sexta-feira, 14 de agosto de 2020

César Felício - Um novo tempo?

- Valor Econômico

Bolsonaro terá base, o que precisa é ter programa e cumprir acordos

O preço que Bolsonaro teve que pagar por ser um governo de minoria no Congresso já foi traduzido pelo cientista político Fernando Limongi em planilhas e exposto em artigos científicos e publicações jornalísticas. Bolsonaro converteu-se em um presidente provisório, que envia medidas provisórias para o Congresso e depois se desinteressa da aprovação delas, quando se prenuncia sua desfiguração em um projeto de conversão ou derrota em plenário.

No seu primeiro ano como presidente, Bolsonaro editou 39 MPs e enviou 21 projetos de lei ordinários. Caducaram 11 MPs e um único projeto de lei foi aprovado. De longe é o pior resultado desde 1995, incluindo o primeiro ano dos dois mandatos de Fernando Henrique, Lula e Dilma. O levantamento de Limongi não considerou o governo Temer, que apenas encerrou o período da antecessora. Para efeito de comparação, nenhuma MP perdeu a eficácia no governo Lula e apenas cinco na administração de Dilma, considerando o período do levantamento.

Isso sem contar outras luzes que não chegaram a ser lampejo, como a emblemática indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, jamais concretizada.

Tudo será diferente agora, tempos em que o Bolsonaro da campanha parece esmaecido e o presidente está abraçado com o Centrão e recebendo conselhos de Michel Temer?

Para um dos principais artífices deste novo momento, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), forte candidato à presidência da Casa, a resposta é sim, o jogo está sendo zerado.

“Bolsonaro representou uma mudança muito grande. Ele rompeu com uma trajetória de décadas de centro-esquerda no poder. E teve dificuldade por entregar ministérios com porteira fechada. Este é um modelo que não funciona”, diz.

De acordo com Lira, Mandetta, enquanto esteve na Saúde, ficou com todos os cargos. Na Agricultura deu-se a mesma coisa, e assim por diante. “Nunca um ministro da Economia teve autonomia para nomear tanto como o Paulo Guedes”, afirma. A conclusão, segundo Lira, é que Bolsonaro descentralizou demais. “O governo era um arquipélago”, comenta. Agora, para o deputado, “a arrumação está sendo feita”.

Para o parlamentar, o debate sobre a sucessão de Rodrigo Maia é nocivo porque a pauta da Câmara nos próximos meses será crucial para manter a governabilidade em 2021. “Até dezembro teremos tempo para avançar na agenda e criar soluções para o ano que vem, respeitando o teto de gastos e mudando o que precisar ser mudado para encaixar investimentos de infraestrutura que somam R$ 20 bilhões em um Orçamento de mais de um R$ 1 trilhão”, afirmou.

Lira deposita esperanças no trabalho do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de avançar com a pauta do pacto federativo. Serão previstos gatilhos para corte de despesas e uma readequação orçamentária de União, Estados e municípios: “Será o único modo para dar tranquilidade a investimentos.”

Mas o parlamentar alerta que nessa nova conformação o presidente irá administrar os limites de seu poder. Na pedagogia pedregosa, novos percalços podem acontecer.“Os presidentes das duas Casas do Congresso têm um poder muito forte. O sistema tem aspectos parlamentaristas. Acordos precisam ser cumpridos. Se não forem cumpridos, as matérias não passam. Ninguém em Brasília se sustenta sem cumprir acordos”, comentou.

Lira se referia aos vetos do presidente ao marco regulatório do saneamento, que surpreenderam deputados e senadores. “O governo disse que não foi comunicado que havia um acordo. Esta questão do saneamento é um erro a ser corrigido”, disse, sinalizando de forma clara que estes vetos tendem a ser derrubados em plenário.

Ainda assim, o parlamentar alagoano relativiza os insucessos de Bolsonaro no Legislativo. “Ninguém consegue citar uma derrota emblemática que seja”, diz.

Para um bolsonarista de primeira hora, como o deputado Capitão Augusto (PL-SP), um dos expoentes da bancada da bala e também pretendente à presidência da Câmara, a resposta à pergunta se o momento de Bolsonaro no Congresso é outro também é sim.

“Ele não tinha maioria na Câmara, mas agora tem. Ele formou base, e essa base agora vai conquistar a presidência da Câmara. Os dois primeiros anos foram difíceis porque boa parte de sua base é de deputados de primeiro mandato, com pouco entrosamento”, disse.

Com um presidente da Câmara bolsonarista, segundo Capitão Augusto, adeus espaço para a oposição. “Eles tem 130 parlamentares. Dá para ganhar deles e não tenho nenhum interesse em me aproximar da esquerda. O presidente só sofreu derrotas na Casa porque não tinha a presidência da Câmara”, afirmou.

Um presidente da Câmara bolsonarista, de acordo com o deputado e policial militar paulista, manteria a barragem contra um impeachment (já são 52 pedidos represados por Rodrigo Maia) e conteria atos que inviabilizam ou dificultam a reeleição presidencial.

Se os deputados alinhados a Bolsonaro apostam no novo tempo, esta não é a visão do autor dos estudos que mostram a baixa eficácia do governo Bolsonaro no Congresso em seu primeiro ano.

“A resposta se as coisas vão ser diferentes é não. O problema não é o Congresso. Este pessoal do Centrão sempre dá base ao Executivo quando está no governo. O problema é a falta de um programa por parte do presidente. Ele busca a blindagem, se proteger do impeachment, mas não se engaja em nada. Não colocou seu peso para aprovar a Previdência. Não colocou seu peso no pacote anticorrupção.

Não teve política clara na educação, na saúde, no meio ambiente”, comenta Limongi.

É evidente que o tempo dirá se Bolsonaro viverá uma relação mais normal no Congresso ou não, na segunda metade de seu mandato. Mas as mudanças apontadas por Arthur Lira são concretas. Ao distribuir cargos para quadros próximos a partidos políticos em quase todos os ministérios, Bolsonaro deu mais coesão ao governo e está mais capacitado a exigir reciprocidade no Legislativo.

Vale ressaltar, entretanto, que a Câmara dificilmente elegerá alguém que se proponha a ser correia de transmissão do Palácio do Planalto. Como disse Lira, Brasília é um ambiente inóspito para quem não cumpre acordos. E quem quer que se sente na cadeira hoje ocupada por Rodrigo Maia terá instrumentos para ferir duramente o presidente.

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