- Valor Econômico
Há uma lista de 11 empresas que não serão privatizadas
Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, chegou ao Ministério da Economia às 7 horas. Era janeiro de 2019 e o seu primeiro dia de trabalho no setor público. No prédio, todas as portas estavam fechadas. Ele bateu na porta da entrada privativa, um guarda sonolento abriu e ele foi logo avisando: “Olha, eu chego todos os dias para trabalhar as 7 horas”. O guarda, no dia seguinte, já estava a postos para recebê-lo.
O tempo foi passando e todos os dias, cedo, formava-se uma rodinha de pessoas na entrada do ministério. Salim conta que ficou intrigado com a presença diária de pessoas na portaria e perguntou ao guarda quem era aquela gente. Para seu espanto, o guarda lhe disse que eram curiosos que estavam ali para ver um empresário que tinha largado a sua empresa (Localiza) para vir para o setor público ganhar mal. Para ele foi “como estar no filme ‘O Dia em que a Terra Parou’, quando a nave espacial estaciona no meio da cidade e dela desce um ET”, comparou. “Eu era um ser exótico”, concluiu. A curiosidade, porém, não se traduziu em receptividade.
“Viemos para transformar o Estado. O meu papel é privatizar as empresas públicas e reduzir o tamanho do Estado”, costumava dizer. Quando chegou, ele conta que lhe informaram que existiam 134 estatais. No documento que deixou ao desocupar, anteontem, seu gabinete, são, atualmente, 614. Nesse número há um exagero pois contabiliza 210 companhias em que uma estatal possui participação minoritária e que, portanto, não pode ser considerada uma empresa pública.
Apesar de na saída alegar “que, em minha análise de esforço despendido versus resultados obtidos, a conta foi negativa” e de atribuir ao establishment a demora das coisas acontecerem ou de emperrarem mesmo, Salim diz que deixa um gordo pipeline de privatizações para serem colocadas na “esteira” do BNDES.
“Há uma lista de 300 ativos para serem vendidos até o fim do ano que vem”, avisou. As três primeiras empresas dessa lista foram colocadas à venda, mas não houve interessados e deverão ser extintas. São elas: a Agência Brasileira Gestora de Ativos (ABGF), a Empresa Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (Emgea) e o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec).
Há, também, uma listagem de 11 empresas que não serão privatizadas. Dessa constam a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul), Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Banco da Amazônia (Basa), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste (BNB), Industria Nuclear do Brasil (INB), Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), Casa da Moeda e a Serviço Geológico do Brasil (CPRM).
Outro fato marcante na passagem de Salim pelo governo ocorreu, segundo ele, na véspera do dia 28 de outubro, dia do servidor público, data instituída em 1937 por Getulio Vargas e que é ponto facultativo. Inconformado com o fato de os funcionários públicos não trabalharem nesse dia, Salim argumentou com um servidor: “No dia do dentista, o dentista trabalha; no dia do engenheiro, ele também trabalha. Não seria o caso de se repensar esse feriado?”. “Mas isso é tradição!”, respondeu o funcionário.
Não estar às 7h no serviço e considerar o feriado do dia do servidor uma data tradicional são duas histórias que, para ele, simbolizam os usos e costumes do setor público. “Eu e Uebel trabalhamos naquele dia”, lembrou. Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, saiu do governo junto com Salim, caracterizando, segundo Guedes, uma “debandada”.
Uma tarde em meados do ano passado, eu fui ao gabinete do secretário. Salim se aproximou da janela de onde se vê um bom pedaço da Esplanada dos Ministérios e comentou: “É uma beleza, só que nada funciona!”.
Nesse dia ele decidiu que quando saísse do governo escreveria um livro relatando a sua experiência. Ontem ele disse que os 19 meses em que ficou à frente da secretaria foram uma “experiência única”, resumiu, completando: ‘Saio melhor do que cheguei”.
Uma das partes do discurso liberal de Salim, presente na grande maioria das suas apresentações, refere-se à obesidade do Estado brasileiro e, portanto, ao pesado custo da sua manutenção para o contribuinte.
A folha de salários do funcionalismo custa R$ 985,5 bilhões, o equivalente a 13,5 % do PIB, valor muito acima da média dos países da OCDE. Esse é o patamar do gasto consolidado nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal). Tomando apenas o governo federal, são R$ 328,5 bilhões, o que corresponde a 4,5% do PIB.
O quadro das empresas estatais, segundo documento deixado por Salim, hoje é o seguinte: são 46 empresas com 148 subsidiárias, 210 coligadas e 210 com participações minoritárias. Essas empresas deram um prejuízo de R$ 190 bilhões no período de 2009 a 2018.
O Estado-empresário ainda é muito grande e para reduzi-lo, na visão de Salim, seria preciso ter no governo o equivalente ao que foi o “Serjão” no governo de FHC. Sérgio Motta, então ministro das Comunicações, tinha autoridade e apoio integral de Fernando Henrique Cardoso para tocar o programa de privatização. Foi nessa ocasião que foram privatizados, por exemplo, a Vale e o Banco do Estado de São Paulo (Banespa).
Sobre a empregabilidade nas companhias vendidas ao setor privado, os dados apresentados por Salim mostram que hoje elas empregam bem mais do que quando eram estatais. Isso ocorreu na CSN, que tinha 15 mil empregados em 1993, quando foi vendida, e hoje tem mais de 39 mil incluindo os terceirizados; a Embraer em 1994 tinha 9 mil funcionários e tem hoje pouco mas de 28 mil; e a Vale passou de 10,8 mil em 1997 para 149 mil, sendo praticamente metade contratados e outra metade de terceirizados.
Os liberais no governo cabem em um micro-ônibus, segundo Salim. Mas o fato é que criou-se um racha na pasta da Economia entre os “de fora” e os funcionários de carreira que contaminou o ambiente de trabalho e facilitou a debandada.
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