- O Estado de S.Paulo
Ao choro dos descontentes se junta Paulo Guedes, o chefe de Salim Mattar
Salim Mattar deixou a Secretaria de Desestatização com um saldo positivo: uma estatal a mais. Nestes 19 meses que esteve no comando do programa, descobriu que os tempos no setor público são diferentes do privado, que o establishment resiste à venda de estatais e Bolsonaro não gosta de privatização. E os Beatles são realmente os Reis do Iê-iê-iê.
Falando sério. Sair atirando no presidente é fácil. Ao choro dos descontentes se junta seu chefe, Paulo Guedes. Vou usar uma palavra forte. Hipocrisia. Guedes foi fiador do candidato Bolsonaro. Dizia que faria em um ano o que os outros não tinham conseguido em 30. Prometeu trilhões com venda de ativos. Mattar nunca contestou esses números, ainda que não tenha incluído nenhuma estatal relevante no programa de desestatização. Nem Valec!
Na eleição de 2018, havia muitas opções liberais entre candidatos e assessores. Nomes de primeira linha e com experiência comprovada na vida pública, como Henrique Meirelles, Persio Arida e Gustavo Franco. Guedes fugiu de todos os debates. Afinal, era o “liberal dos liberais”. Não precisava dar explicações. Dizia que bastava convicção, o que teria faltado a todos antes dele, para mudar o País.
Conhecido por sua inabilidade política, inexperiência em gestão pública e falta de contribuição acadêmica na área macroeconômica, foi recebido com muito ceticismo por alguns, mas abraçado por boa parte dos eleitores “liberais” de Bolsonaro.
Com amplos poderes criou um supergabinete. Sem modéstia, trouxe para si a responsabilidade de gerir sete secretarias, antes espalhadas em pelo menos quatro ministérios. Teve liberdade para compor uma equipe com técnicos de sua confiança. Nunca um governo e um ministro assumiram com tanto poder para impor uma agenda própria.
Mas, para espanto de muitos, aquele que passou anos se preparando para assumir a liderança da economia do País, não tinha projeto. Sua obsessão com a capitalização quase inviabiliza a reforma da Previdência, deixada na cara do gol por Temer. A mesma obsessão com a CPMF pode desmontar o apoio, de toda a sociedade, à reforma tributária. Reforma administrativa não veio. Nem mesmo a PEC Emergencial, entregue em novembro do ano passado, recebeu dele qualquer atenção. Abertura comercial nem sequer foi mencionada. A palavra privatização saiu dos seus discursos megalomaníacos. Voltou durante a pandemia, pior momento possível. A culpa é sempre dos outros.
Ninguém chega a um alto cargo executivo apenas por sua bagagem técnica. Habilidade negocial, trabalho de equipe, respeito pelos stakeholders e firmeza na implementação de uma estratégia são parte das qualidades de um líder. No setor privado e no setor público. Não se ganha apoio no grito ou na chantagem. No discurso sobre a debandada desta semana, Guedes mostrou que ainda não aprendeu nada sobre a arte da política ao colocar o presidente contra a parede. Desprezo pela política e pela burocracia estatal explicam o fracasso da sua gestão. Sem falar da falta de liderança para convencer seus colegas da alta administração, incluindo o chefe, da importância da agenda reformista.
As pressões corporativas em um país patrimonialista são parte do jogo. Não há novidade. Se esse é o motivo de Mattar para sair, ele nem deveria ter entrado. Se há uma pressão para a volta de um modelo intervencionista e política fiscal contracíclica é porque não existe um plano econômico que dê esperanças de retomada. Nada que acene com aumento da produtividade e eficiência no País.
Quando a pandemia chegou, já estávamos à deriva. A crise econômica gerada pela covid-19 deu uma sobrevida ao ministro, que havia perdido o apoio político com o pífio resultado do PIB de 2019. De âncora do governo Bolsonaro, se tornou uma pedra no sapato. Está próximo de perceber que “Posto Ipiranga” não é exatamente um elogio.
No meio do furacão econômico e político, Bolsonaro saiu do armário e abraçou o populismo de vez. Caminho sem volta. A saída de Mattar não terá impacto na desestatização, aquela que foi sem nunca ter sido. Bom lembrar que participações minoritárias não são empresas, nem sua venda privatização.
Se Guedes tivesse reconhecido o trabalho de governos anteriores poderia ter sido diferente. O PND foi criado formalmente por Collor, continuado por Itamar e ampliado por Fernando Henrique. Como Bolsonaro, Itamar não era entusiasta da privatização, mas delegou ao seu hábil ministro da Fazenda a decisão. Com sua equipe, FHC implementou reformas modernizantes. Soube explicar e convencer seu presidente e a sociedade da importância delas para a estabilização da moeda.
Esses três presidentes fizeram uma verdadeira reforma do Estado. Nos anos 90, foram privatizados todos os setores de fertilizantes, petroquímica, siderurgia, além da Rede Ferroviária, Embraer, Vale, Telebrás e Eletrosul. Foi com firmeza, governança, transparência e respeito aos protocolos que se obteve esse resultado. Aprender com o passado, ajuda muito. Mais fácil aprimorar a partir daí. Só precisa convicção.
*Economista e advogada
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