quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Cabo de guerra – Editorial | Folha de S. Paulo

Cabe ao STF garantir independência dos membros do MP, sem ignorar seus desvios 

 O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, impôs um revés à Procuradoria-Geral da República na disputa que ela trava há meses com as forças-tarefas da Operação Lava Jato nos estados. 

De volta ao trabalho após o recesso de julho, o ministro revogou na segunda (3) a decisão tomada em sua ausência pelo presidente da corte, Dias Toffoli, que determinara o compartilhamento das bases de dados da operação com a cúpula do Ministério Público Federal. 

 Os procuradores na linha de frente das investigações sobre corrupção querem impor condições para franquear as informações sigilosas ao procurador-geral, Augusto Aras, para quem a autonomia garantida às forças-tarefas estimula abusos. 

O despacho de Fachin anula os efeitos da medida de Toffoli, obrigando o gabinete de Aras a devolver os dados que já foram coletados e vedando seu uso em ações disciplinares contra os procuradores. Para Aras e Toffoli, o princípio constitucional da unidade do Ministério Público obriga seus integrantes a trocar informações com outras instâncias da instituição automaticamente, sem exigência de maiores cautelas. Fachin e as forças-tarefas discordam da tese. 

 Caberá ao plenário do STF decidir quem tem razão, tão logo o recurso que o procurador-geral promete apresentar seja incluído na pauta de julgamentos do colegiado. 

 Não há como contestar os resultados positivos alcançados pela Lava Jato. Deflagrada há seis anos, a operação recuperou bilhões desviados dos cofres públicos e rompeu o ciclo vicioso que por muito tempo garantiu impunidade a políticos e empresários corruptos. 

 Mas é certo também que os investigadores cometeram abusos, não raro recorrendo a métodos de legalidade duvidosa e até usando seus poderes para bisbilhotar a vida financeira de ministros do Supremo, sem autorização judicial. 

 Forças-tarefas se mostraram úteis para desvendar esquemas criminosos complexos como o descoberto na Petrobras, mas a concentração de informações sensíveis nessas unidades também cria riscos —especialmente numa instituição com mecanismos de controle interno opacos e lenientes como os do Ministério Público. 

 A alternativa sugerida por Aras, que defende uma unidade anticorrupção ligada ao gabinete do procurador-geral, provavelmente agravaria o problema ao promover concentração de poder ainda maior.  
Chamado a arbitrar o conflito, o STF terá oportunidade de examinar os mecanismos institucionais que tornaram possíveis tanto os êxitos como os abusos da Lava Jato. Caberá ao tribunal encontrar o equilíbrio necessário para garantir a independência dos procuradores, sem tolerância com seus desvios.

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