Ainda que o teto deva ser substituído, é preciso colocar algo potente e eficaz em seu lugar
O teto de gastos, principal instrumento de sustentação fiscal desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, entrou em um perigoso limbo.
Enquanto foi criticado apenas pelos partidos de esquerda, ele foi mantido, impedindo que boa parte dos gastos da máquina pública subissem acima da inflação. Mas a contenção fiscal enfrenta agora uma ofensiva que vem de forças no interior do governo e da eventual necessidade de despesas para enfrentar uma pandemia cujos danos podem se estender para 2021 e além.
O risco explosivo é de o teto ser aposentado sem que se coloque nada em seu lugar.
O teto tem virtudes e defeitos. Um governo determinado a fazer ajustes de contas públicas, como foi o do primeiro mandato de Lula, obteve superávits primários de até 4% do PIB, embora a tarefa tenha sido facilitada pelo crescimento e pelo cenário externo favorável. A crise de 2008 impulsionou gastos contracíclicos que não cessaram quando a economia reagiu.
Em 2014, o país caminhou para uma recessão com as contas públicas em desordem e inflação em alta.
Criado no governo Temer, o teto refletiu a relação de forças políticas do pós-impeachment e alguma dose de realismo. A economia entrou na rota de baixo crescimento, na qual uma determinação de fazer fortes superávits fiscais, como antes, pioraria a situação. Esse não seria um problema incontornável se a coalizão partidária que colocou
Temer no lugar de Dilma desse ao presidente um apoio amplo e incondicional. Não era o caso, e já antes dos diálogos com Joesley Batista, da JBS.
A opção por um tratamento de choque, que exigiria um governo popular, foi substituída por um aperto significativo, mas gradual, ao longo de uma década. A história brasileira não registra episódios de austeridade fiscal que durem tanto tempo e atravessem vários governos. A solução atendia a um governo tampão e seu presidente cauteloso e contemporizador
Uma política gradualista como a do teto exige outras condições, que estão ausentes, para sustentá-lo. É sabido que as despesas obrigatórias, que consomem mais de 90% do Orçamento, iriam reduzir drasticamente as despesas de custeio da União, a menos que também elas fossem contidas com empenho. O governo de Jair Bolsonaro obteve a reforma da Previdência, mais por determinação do Congresso que do Palácio do Planalto, que desdenhou a construção de uma base parlamentar.
A reforma previdenciária amorteceu os gastos, mas não os impediu de crescer pela expansão vegetativa. O déficit diminuiu em relação à velocidade anterior. As despesas com a folha de salários do funcionalismo, no entanto, seguiram em frente. Nada mais típico do que a concessão de reajustes salariais aos servidores no ano em que se implantou o teto.
A segunda coluna de suporte do teto, os gastos com o funcionalismo, não existiu e talvez não venha a existir. A PEC emergencial, da qual não mais se fala, colocava em ação meios de contenção de despesas toda a vez que o teto estivesse sob ameaça de ser superado, como agora. Ele seria reforçado por uma reforma administrativa que racionalizasse a máquina pública, eliminasse penduricalhos dispendiosos e aumentaria a produtividade do Estado.
Era prioridade, não é mais.
E até erros de redação impediram a proteção do teto. Sua regra manda que as despesas sejam reajustadas pelo IPCA de 12 meses até junho do ano anterior, mesmo na iminência de ele ser rompido, isto é, sem que se possa tomar medidas preventivas para corrigir a situação.
A presidente Dilma elevou a dívida bruta em mais de 10 pontos percentuais do PIB. A economia não se recuperou além do 1% anual desde então. Mais 10 pontos percentuais serão acrescidos em 2020 para o justo amparo contra a covid-19. A dívida bruta encostará em 100% do PIB - já era a maior do mundo emergente, e cresce.
A ofensiva contra o teto, que começou com ministros militares, tem mais apoios no governo. Com a dívida em alta, buscam-se exceções ao teto que, se vale o passado, terminarão por aniquilá-lo. Isso em parte explica a teimosa desvalorização do real, mesmo quando o dólar tende à baixa e o déficit em conta corrente brasileiro declina.
Ainda que o teto deva ser substituído, é preciso colocar algo potente e eficaz em seu lugar. Não se ouve uma palavra a respeito de alternativas. Os investidores despejam na desvalorização do real o risco crescente de que o endividamento público fique sem âncora e abra caminho à pior solução, a inflacionária.
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